quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

A insônia.
















Gilberto acordou no meio da noite. Saiu do quarto, andou a casa toda, sentou no sofá. Ainda ali, se recostou. Não demorou muito, levantou de novo, foi até a cozinha, acendeu a luz, abriu a geladeira: alimentos. Ele não tinha fome, mas aproveitou o acaso do destino em leva-lo à geladeira, que parecia tão disposta a recebê-lo... Catou duas fatias de pão integral, queijo de Minas, salamiho, presunto, requeijão, e isso, porque não estava com fome. Montou um sanduíche de alguns andares, e sem pensar muito, comeu tudo, com um copo de suco de abacaxi. Agora sim, poderia dormir se fosse a fome o motivo de sua insônia, mas nem era. Continuou perambulando pela casa, e num salto, foi até o quintal. Deitou na rede, olhou pro alto, caiu da rede, pulou o muro, subiu no telhado, ralou o joelho no chão, abriu a porta da garagem, ligou o motor do carro, e não sabia onde ir. Desligou tudo, entrou em casa novamente, recolheu os vasos de planta tombados pela sua hiperatividade noturna, e voltou até a cozinha. Olhou em volta, nada. Olhou a sala, nada. Resolveu voltar para o quarto e recomeçar sua noite. E foi ali, no momento do retorno, que Gilberto percebeu o motivo de sua insônia. Na cama, não havia ninguém o esperando. Não haviam preocupações de onde Gilberto estava a noite inteira. Gilberto acabou dormindo por desistencia.
Ao raiar o dia, as coisas pareciam melhores. Pareciam. Saiu na rua, o comércio estava fechado, as padarias não fabricavam pães, as farmácias abaixavam as portas, o serviço público tornava-se ausente. O que estava havendo? Gilberto andava pelo comércio, e as portas voltavam-se contra ele. Ficou semanas sem receber cartas, e ainda continua sem receber. Cachorros não latiam mais para ele, contas não chegavam, bancos não ligavam, cobradores, vendedores de vassoura, consertadores de panela, nada.
Certo dia, acabou a comida de sua casa. Teve que ir ao mercado. A rua estava deserta, e no mercado apenas uma portinha lateral - que não era a principal estava entreaberta e meio balançante. Adentrou o mercado, e ao adentra-lo, deparou-se com uma multidão enfurecida, que não estava ali. Onde estão as donas de casa, as crianças e seus biscoitos? Passou pela seção de limpeza, pegou uma garrafa de alvejante, outra de desengordurante, esponjas, uma vassoura, três baldes médios e uma caixinha de fósforos. Foi andando, e até que chegou nas comidas. Que maravilha! O mercado só para ele! Era triste, e ao mesmo tempo era bom. Sentimento estranho. Faltava a velhinha reclamona, o caixa mal humorado, o açougueiro que confunde trezentos gramas de carne, com meio quilo. Mas isso não o fez ficar mal, não no mercado! Pegou pacotes de biscoito, macarrões instantâneos, arroz, feijão, batatas fritas da Elma Chips, vários pacotes. Pegou Nutella, muita Nutella, Amendocream, muito! Estava quase derramando lágrimas de emoção por cima das compras fartas. Não havia caixas, nem funcionários de quaisquer espécies! Não havia nada e nem ninguém trabalhando ali! Lotou o carrinho de compras. Chegou até - em um ato de honestidade - ficar estático em frente ao caixa, para ver se alguém aparecia. Nada. Olhou o relógio de pulso, e foi feliz para a porta de saída, pela qual entrou.
Na rua estava tudo igual. E apesar da ausência de multidões, o Sol brilhava mais do que nunca. Percebeu que as compras não caberiam de uma vez no seu porta-malas. Pensou que, já que não há ninguém na rua, daria perfeitamente para ir em casa, largar uma leva de compras, e pegar a outra aqui na rua, dentro do carrinho. Foi o que fez. Agora, focando o cenário sem Gilberto, ao invés de Gilberto sem o cenário, o carrinho de compras reluzia eternamente na rua, com todos aqueles biscoitos. Nossa, belo prato! E de repente, a rua foi rompida pelo ronco do motor de Gilberto. Chegando ali, olhou alegremente para o carrinho, com tudo aquilo ali, gratuitamente. Não aguentou, e deixou sair, escapar, sem querer, umas três ou cinco lágrimas, de cada olho. Mas foi interrompido, ao ver que um de seus potes de Nutella estava aberto! Que?! - exclamou indignado. Como assim? Ele estava lacrado! Não! Não! Negou várias vezes a situação, urrou pela cidade: meu Nutella! Meu Nutella! Volte aqui, seu ladrãozinho! E acordou no chão, retorcendo-se: meu Nutella, meu Nutella! Devolve! É meu! Eu vi primeiro! Ta de graça! Eu não roubei, não havia caixa! Acorda, Gilberto! Acorda! - exclamou Mônica, sua esposa. E já abrindo um pouco os olhos, pode ver a vida como ela pode ser.
- está tudo bem, querido? Ontem você levantou, andou pela casa inteira, eu fui atrás de você, mas nem me viu. O que estava fazendo no telhado? Eu, hein...
- não sei, meu amor - respondeu Gilberto. Realmente eu não sei.
Levantou-se de vez, e foi até a cozinha, onde, no armário de lá, pode ver todas as compras que havia feito, juntas, no armário. Ao ver a lata de milho verde, lembrou que uma senhora bastante repulsiva, devido a sua insistência em dizer que os milhos deveriam se chamar "Milho amarelo", já que só a lata das ervilhas era verde. E no cantinho, lá, estocado no armariozinho da cozinha, estava o glorioso e saboroso Nutella. Certamente, esse, foi um dos melhores cafés da manhã de Gilberto.

3 comentários:

Ferreira disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Ferreira disse...

muito bom!

gostei como voce conduziu a história por diferentes pontos de vista. e o fez tanto na descrição do que estava ocorrendo, quanto na fala das personagens.
em alguns textos isso pode torná-lo um tanto difícil em sua compreensão, mas aqui ficou radiante.

parabéns, amigo.

abração.

Gabiii disse...

virei sua fã!
no ato....
tudo bem bom!