terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Apolo treze.

















Me queima o omoplata
e some certo na decolagem
na correnteza vai-se a cabeça
boquiabre-se maxilar primata
no início da viagem

teu violão de quarenta anos
venero como paisagem
me toca as cordas vocais
sem querer canto rouco
num timbre selvagem: urros vogais

na estratosfera assisto louco
meu corpo virar imagem
já desprendidos de mim
pedaços aleatórios
de toda aparelhagem

sou corda sem timbre
paralisada assim
prolongo ao redor da Terra
porque me vibra o mundo
no meu filme-ideia sem fim

protótipo sem destino
mal vou lembrar
do meu corpo todo dormente
só volta à Terra o módulo lunar.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Quiosquicina terápica.

















A lua cuspida
escorre a noite
tipo saliva

nossa ignorância
acerca dos oceanos
nos esconde o ocorrido:
o mar foi mijado

por um bêbado antigo
após beber sete bares
acometido
por incontrolável desejo
de criar vidas submarinas

agora trabalha no quiosque
do posto seis
e vende camarão
cerveja, picolé
e outros aperitivos

a chuva que incide na superfície
é alguém imitando lá de cima
mas ainda submerso não serei peixe
pra mim
qualquer quiosque
é oficina.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

O bonde.
















Minhas atuais vontades
marcham fora da maquinaria
com rodas de aro amassado: são marginais
não me prometem nenhuma rima
esquema ou estética

Minhas equações derretem
e descem o topo de qualquer euforia
no bar com cadeiras altas
e com o letreiro luminoso da cervejaria

Não permitem sequer
pincelar um registro
vontade é essa: um borrão
sou em tudo aquilo que existo

Minha dormência trepidou
para eu viver o enquanto
quem estava dentro acordou
esparramado - como chuva - na telha de amianto

Deixo que me acertem
as sucessivas avalanches

Minha vontade é como o bonde:
anda nas ruas até entortar
um tipo de bêbado errante
veio não sei de onde
parece nunca chegar

Entardeceu teu gesto
como uma noite capilar
deita nos ombros e esbarra no queixo
embrulha em bem-estar

Me lança ao alto
deferindo um golpe a distância
bamboleia minha vontade atrasada
no beco da consonância.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

O arrebol.



















Um corte de molho no álcool
causa uma espécie de ardor
o mesmo é o dia: rasgo no tempo
sinto banhar e lavar
quando assisto o sol se pôr

Enquanto corta o dia
sabe o céu que o sol é hemofílico
de olhos cerrados assisto a hemorragia
inundar o litoral
dessa pequena cúpula de acrílico

Entra ela sorrateira
e traz maré com ventania
enquanto o céu empurra abaixo o sol
a lua ajuda a afogar o dia

Sabe-se que sou etílico
quando me queima o quente arrebol
evaporo à noite em verborragia
ao notar o movimento acíclico
nas ondas do meu lençol.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

O arco.














Arpoador em tarde de Sábado
te reverbera um nocaute irreal
soco de punho pesado
assiste a onda me dichavar
espalhado no vento litoral

A pôr a dor [de lado] em tarde de Sábado
te regenera um Gestalt principal
pouco de um rascunho inventado
insiste a brisa incendiar
esmiuçado momento universal

Arqueador de tempo primordial
entorta o fim no começo e meio
me inebria a tua tatuagem tribal
desenho desmanche gravado
que descansa do pescoço ao seio

Laqueador orgânico espiritual
naquela tarde fui eleito
me levita a coluna vertebral
porque ligou minhas moléculas de outro jeito

Lar que eu vou aleatório e proposital
das probabilidades que arranco
me golpeiam palavras de porte feudal
na página que carrego em branco.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Tecnologia dominical.



















Toda tecnologia convertida
em uma manhã de Domingo nublada
emaranhados de fios
acompanham a descida
da ladeirinha mal inclinada

Quantas conversas mal entendidas
pouco interpretadas
ou semi-resolvidas
passeiam até madrugar
nos fios introvertidos
de vozes contraídas
que nos amargam o paladar

O fim do barulho desequilibrou-me o passo
numa viagem de livro inocente
dormia o cachorro, o gato e a vovó
já não sei o que caço
na soma dos quatro olhos da gente

Continuei assobiando
totalmente afinado em dó.

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

A maré.















As paredes caladas notam
meu livro existir sobre a mesa
integrais se entregando
aos sólidos de revolução
em uma orgia
feita a cálculo frio

A vida gira girandônica
porque arrisco esboçar
em uma natureza de despeito
o verbo querer na forma irônica
conjugado no singular
do tempo pretérito perfeito

Corei a ponta da lança com giz
e fiz surfar a número oito
através do veludo fuleiro
calculei a bissetriz
no balanço do caminho afoito

Na caçapa era Janeiro
para minha maré motriz
vislumbrei mil repetições
em um único pedaço inteiro
do jeito que você sempre diz

Contemplei acender mais um sol:
o que mora na ponta do teu cigarro

ainda incandescente
me pescou o anzol
e encheu o vazio do meu jarro.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

O cambaleio.

















Verde.
comprei uma cortina verde
e no meu quarto é sempre tarde
vou de café
vou de torrada
geleia de gosto estranho

Sinto uma grande presença
acordar meu corpo em alarde
da rua que espia desconfiada
minha barba aumentar de tamanho

No quinhentos e seis mora um cara sem crença
que aos Domingos só chega de manhã
durante a semana, ao marchar no rebanho
força um caminho engraçado
que vai da Joaquim Palhares ao Maracanã

Surge louco, inebriado
de casa sempre ausente
corre na veia a grande maçã
e o vinho, por conta da gente

Patina as ruas de peito inflado
e faz de conta que por dentro - do peito - é quente
reza a lenda que se ficar parado
desandam os passos de valente.

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Colecionador de saltos.

















Inclinei na beirada do vale
e atirei três olhares avante
corpo amarrado no velame
varejou-me o sopro do viajante

Acertei sem acaso
seu corpo, errante
te levei o ar dos pulmões
bebi tua vida restante

Me expulsou o sopro soprante
despreocupado
sem medo de afundar no mangue
pois o ar que te tomei
emprestado
alimenta as células do meu sangue

Mergulhar no Sol
e surgir no papel, pelo avesso
agora cada salto soprado
inventa um novo começo.

domingo, 21 de julho de 2013

Projeto circense.
























Debandou enfraquecido
o espírito rodopiante
que saltitava, dançarino
nos quase-meus versos entoantes

O violão do Chico ficou mudo
e alguns amigos meus, poetas
dançaram um som preto e branco

Pude conhecer os postes
que sobem as ladeiras do morro
passeei ainda manco
numa íngrime escadinha
uma porta apertadinha

O céu de Julho pintou
Saturno e Marte, em miniaturas
salpicando em multicores
nossos copos quase vazios

E as madrugadas agora
exibem vestidos coloridos
convidam para uma dança, uma noite
embriagados de limão
embebidos no sal
as doses são precisas

Uma lona que desfila
nove palmeiras enfileiradas
contrasta com a multidão
e faz pequena minha dor

Enquanto levanta voo, o circo
desce pelas pernas
o calor de todos os problemas
é quando devolvo ao magma o que é quente
e deixo dissolver as pedras

Que nesse barco eu não vou, não
porque os marujos não permitem
 - ainda que a deriva -
que meu navegar seja em vão

Na sala listrada
a consciência espia
os pensamentos em quarentena
e eu ascendo embriagado
banhado em lucidez

Porque Julho bem me disse:
só se vive uma vez.

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Não há nada.




















Chamaram-nos dedos e palmas
e o conjunto, mão
que te correm, que te correm
pois não há nada mais

perdoa a demora
mas tomo teu anseio
te bebo com a mesma sede
enquanto entornas os olhos
sobre  meu corpo em descanço
pois não há nada

com uma certeza certa em si
e justa, no presente agora
aperto e deslizo
a carne e a pele que te envolvem
até que eu imprima no ar
o gestual de minhas mãos

e o que chamam dedos
vasculham com pisadas fortes
no talo das raízes de seus cabelos
e reunem-se meus lábios
para marcar teu pescoço morno
pois não há nada

Teus olhos olham depois da testa, eu vi
eu entorto, você enverga
nossas peles, perdi
descasquei todos os pecados
e agora nos fitam, nus

Te permeio agora
e te debruço
sobre algum anteparo desconhecido
invado e possuo
teu corpo excitado
teu prazer umedecido

Ordeno que levante
e te ofereças a mim
como quem se oferece
à um deus malevolente

Suor, carne
pernas e saliva
unhas, línguas e dente

e teu calor e prazer incitam
em meu corpo inconsciente
tropeço que antecede o mergulho
despejado em tuas costas, sou quente

te desfaço derretendo
contemplo afobado, enlouquecido
mas te preservo consistente
tua careta me arrepia a espinha
teu gemido abafa o ouvido

Te fito de cima
meu peso te castiga
meu prazer é o teu
ao ser invadida

pois não há nada

Somos uma só carne
no alto do teto
já não vejo meu corpo
nossa respiração junta, em desespero
começo a enxergar mesa e ladrilho, turvos
e passa a existir o universo inteiro.

segunda-feira, 11 de março de 2013

Deixa cachear.


















Foi só
do seu cabelo
que eu me lembrei

Não alisa não, meu bem
deixa o cacho cachear
e assim
encaixar sua mão
nos cachos pendurados
nas ideias
não alisa não, meu bem

Meu bem...
Foi só
do seu jeito
que eu me lembrei

Não desaperta, não
encosta e deixa
sua palma na minha palma
e as linhas vão desenhar, embolar
algum tipo engraçado de nó

Então não adianta não, meu bem
porque nó de palma
não arrebenta
com esse vai-e-vem

Foi só
da sua voz
que eu me lembrei

Não fica muda, não... meu bem
porque problemas
todo mundo tem
mas o nosso nó
é bem dado
e não desata por mal
e nem desfaz por bem

Se não souber pentear
esse ritmo cacheado
me liga qualquer horário
pra encaixar os cachos nas ideias
e eu mostro como cantam

Esses nossos versos cacheados, desenhados
 ... e seja lá o que pensem
 e o que façam ...
de nós,
os nós não desatam.

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Um pouco pedra, um pouco dúvida.


















Assim flutua, sempre perto
sem deixar ser percebida

as pedras sempre me pareceram felizes e fortes
mas eram muito sérias

Eu era pedra, mas era outra coisa
sou meio pedra e meio coisa
e minha outra parte é meio coisa de pedra

Mas as luzes dos postes
entrando abafadas atrás da cortina
elas sabem...
nunca me disse ser dono
mas espiava com cuidado
a porta entreaberta
para zelar teu sono.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Um caso platônico abstrato.





















Era um caso
particular, diferente
por cima do livro, Alice
nas páginas, Alfredo: uma reta tangente

Alice resolveu se auto-descrever
como um vetor normal, perpendicular
e orientou Alfredo
transformando-o em produto
de uma combinação linear

Agora, de certa forma, paralelos
era possível perceber a interconexão:
Alice, de Alfredo, era estudante
Alfredo, de Alice, a própria abstração

Alice[rce]
talvez fosse a base
de um espaço vetorial qualquer
em um universo de retas orientadas
de ponto-a-ponto se estende a certeza

Pois Alfredo e Alice
podiam até ser similares
mas jamais se entenderiam
pois não eram objetos coplanares.