terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Otenos.

Filhos de Gaia

















Começo logo e de maneira súbita
o expresso expansionável do infinito
que me insere na sequência ininterrupta

Dos fatos que antecedem o grito
ecoando para os ouvintes na escuta
tontos num alvoroço do tipo

Como viajantes sem sintaxe extasiante
na semântica da semente ao fruto
galga as ondas, o mito
dando origem à lenda de cada instante

Que perambula na parábola insípida
senoidal e catatônica, que desconheço
quando todas as incertezas culminam no fim
da-se origem a um novo começo.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Alma minha.

Vilarejo Medieval















É quando de canto, vejo a avenida
as passarelas são um murmúrio
produto do abraço que, envolvente
percebo a cena repetida

Quando toda a engenharia converge
em um louco sono alvo
meu queixo repousa
nos ombros de minha querida

Depois os dias passam firmemente
atritando com o tempo inerte
da-se à luz, saudade incoerente

Que vaga na noite da cidadezinha
percebo, grande e eloquente
o tamanho d'alma que nunca foi minha.

domingo, 3 de outubro de 2010

O único.

Pegadas na Areia













Hoje percebi
que andaram esquecendo
antes esquecessem a si mesmas
decantadas e preciptadas, as palavras
no berço do meu dorso

Que venham rápido
com pressa
de repente, venha em engano
seja um equívoco
só não me faltem,
só não me faltem

É trabalhoso dar-se conta
do mover consciente
antes expressava-me com palavras
agora expresso-me
com o viver da gente

Isso, por ser intrínseco
de subta atenção,
palavra e olho
de todo conforto,
palavra e pele
de cada idéia,
palavra e mente

Assim, por ser inevitável
em uma expressão de olhos
que se confortam
as mentes se encontram
expressas nas peles
que se encostam
tem-se para outro ser humano
um amor de palavra.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Marujos do êxtase.

Êxtase











Do pouco uníssono, cordas vibrantes
não foi valsa
não foi tango
dançavam tontas e tortas
sem palco, sem graça
sem ensaio, afinando
algum tipo de som com flauta

E o Domingo é melhor
para a poeira ascendente
que flutua rodopiante e hipnótica, a galáxia
na faixa de Sol divergente

E as cordas cessam o vibrar
mudificando o Domingo
tiro das flautas, o limiar
com um som vinil
próximo ao ouvido

De olhos atrasados
abri por dentro um pensamento
planando grande e inteiro
no abstrato maciço momento

Compartilhei mais de noventa mil
cordas bambas
cercando meu Domingo vinil e galáctico,
que zanza

Até perdi de vista os pés da gente
ao perceber que éramos duas poeiras
anestesiados na galáxia navegante
da faixa de Sol divergente.

domingo, 11 de julho de 2010

O degustador.

Roda de Amigos















Eugênio provava de tudo
um pouco aqui, e daquela bebida
Terças, vinhos
Quartas, águas minerais
Quintas e Sextas, sucos de fruta
Sábados e Domingos, pudim e doces

Segundas, era descanso:
provava de dó à sol
no seu piano,
na falha do seu atabaque
no compasso das palmas
seu concerto monológico,
retificador de almas

Não nas Segundas
era oportunista
de vários sabores;
no descanso era astuto
com suas cordas, seus tambores

E a quadrilha feita num minuto:
olhos, mãos, e todo conjunto
fartos do mundo lógico e sua alergia
às Segundas eles eram
os ladrões da epifania.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Fora da bússola.

Carioca


















Pro norte a vida é mais longa
dizia o velho compadre
em alto mar bebia vinho
e temperava tomates com vinagre
"se o barco vai, eu fico" - dizia o velho compadre

Um dia a caravela enguiçou
e foi só restaurar o Leme
e longe da praia de Botafogo
a embarcação parou

Compadre era carioca
carioca sem samba,
sem pelada
compadre era carioca
porque era do litoral
meu compadre
feito de areia, água e sal

A vida é longa pro norte
não é questão de muita
ou pouca sorte
dizia compadre - sempre pro norte

Compadre dizia enquanto navegava
agora o dito de compadre
ecoa por aí
sem a sua palavra

No norte a âncora pesa mais
agarre-se no norte
assim que sair do cais

E foi num sábado à tarde
sem mariscos, tomates
sem vinagre
a embarcação mergulhou
e compadre
nem duas vezes pensou

Logo havia se enganado,
da boca pra fora
e no pé de meu ouvido
disse que a vida só é mais longa
se for agora.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Os passos de dó.

Piano dó

















Um mamão maduro
para duas cigarras distraidas
e três auroras verdes
para quatro céus distintos

Vinte postes altos
para noventa milhas de fios
um pai com muitos irmãos
e seu filho,
com inúmeros tios

Vários pratos rosas
bordados com linhas de ouro
algumas tigelas grandonas
sete talheres para aspargos
salmão e azeitonas

Uma tecla faltando
dó, dó, dó
foi a parte que encontraram jogada
separada do piano

Cinquenta e cinco passos para a esquerda
noventa e dois para a direita
uns foram com a soberba
e falharam, os avós
agora pisam, aqueles passos
no chão de todos nós.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

O projetor de sonhos.

Encostado na Poltrona













Troquei tudo.
Cambiei minhas cortinas
alternei minhas bermudas
mudei minhas camisas

Ladrilhei o teto
embuti o armário
fiz sete rádios de galena
pintei as lâmpadas
e agora os desenhos se lançam na parede

Investi na bolsa
comprei uma fábrica de asfalto, privatizada
asfaltei da minha casa
até a alvorada
e quando o Sol nasceu
mal pisquei os olhos
e o piche derreteu

Deprimido,
nomeei outro dono
e agora meu asfalto
em algum parque de Nova Iorque
apara as folhas de outono

Entrei com uma ação na justiça
e o governo me nomeou prefeito
e na ponta do lápis
planejei meu plano perfeito
aboli as vias aéreas e terrestres
e por nove dias implantei uma lei:
sejamos todos campestres
e enxerguemos quem nos conduz
seja onde for
vá de avestruz

Não deu muito certo
e o vice assumiu
então vendi meus vinhos
e comprei meu próprio barril

Acordei de uma vez
com sombras no quarto
sonhei o desenhado
daquilo que a lâmpada, na parede
havia lançado.

domingo, 6 de junho de 2010

Minha cor tá por aí.

















Abro o livro das cores, aflito
e algumas páginas
me fazem perceber
a cor que não somos
é a que nos faz ser

Arranjo um arco-íris de bolso
e sempre posso consultar
embora eu não consiga entender
como as cores que não sou
são as cores que me fazem ser;
cores para me explicar

Chamaram o exército
os bombeiros
o ministro, o presidente do senado
acordaram os sem teto
soltaram os condenados
gritam lá de trás:
enxerguem agora o céu azul-esbranquiçado!

Continuei minha linha
tijolos de branco, amarelo
e uma joaninha
que de cinza e preto
capengava de uma perninha
e o Sol atrás, quase branquelo
esbarrava na escrivaninha

Fui mais pra lá
mais pra cá
rodei, tropecei e cai
de cara com um grande amarelo esverdeado
e logo me colori
a cor de verdade, essa sim
ta borrada por aí

E vai ser assim
as cores de outro mundo
serão as cores que há em mim.

sábado, 29 de maio de 2010

O Metalaço.















E o que me acorda?
É o café?
O dia quente? O dia nublado?
A vida me acorda.

Me acorda para não esquecer
quando só o relógio mostra o que passa
o tempo logo se retira
e o teto esparrama nos meus olhos
me fazendo adormecer

Vezes me esqueço de acordar
e saio andando sonhando
todo dia acordo no meio do dia
de terno, gravata e maleta
sou o advogado do tempo

Vezes também lembro
de não esquecer
logo faz-se a meta-lembrança
como tudo o que há deve ser

O meta-tempo
o meta-olho
a meta-mente
a meta-vida
a meta-música

E o estalo insistente estala
existir é inevitável
tocam a música para acabar
enquanto meus dedos loucos
tocam a música para enquanto tocar

E assim é o "meta"
entrelaçado em si mesmo
sem medições, sem ponteiros

E logo cedo
a vida é para além do tempo:
mal começamos a tocar
e já estamos presos no refrão.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

A Lua, que Lua.















E o mundo não cansa de ser redundante
a chuva molha no molhado dela mesma
e o bêbado alucinado errante
festeja sua festa com cerveja

Nem a rua
ou mesmo a calçada
percebe a Lua
que na Ana, nasceu incrustada

Todo dia nova
ou metade feliz
tem por inteiro a graça
como o próprio nome diz

Reclamam da distância
mas quando enguiçam na estrada
é a Lua distante
que se mostra ilustrada

Separar, nem se tenta
A Lua com a Ana, está conectada
A Ana, no céu dos errantes
e a Lua, de brilho, lotada

E ainda que eu tente
desunir com força
esse nó arcaico
é inútil, pois
Luana tem coração parte Hebraico.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

O anônimo.

















Devido aos direitos daquele que depõe, não será dito nome próprio algum que faça menção, direta ou indireta, ao mesmo. Dessa forma, chama-lo-ei de anônimo.
Anônimo despertou seu interesse pela ciência aos poucos segundos de idade, quando nem mesmo sabia quem era ele próprio. Anônimo, por falta de força maior, resolveu ser forte em si só. Anônimo, por falta de se expressar, espalhou-se anonimamente, dando anonimatos animados por todos os lugares. Anônimo, então, baseou-se na satisfação de uma unidade maior para a concretização de sua felicidade. E ninguém jamais viu, ouviu, ou sequer encostou em anônimo. Anônimo era irreconhecivel, não importando a cor de sua blusa, de suas calças. Anônimo era inevitavel e indiscutivelmente, invisivel.
E a todo momento, anônimo procura anonimar-se o máximo possível, mantendo assim, sua satisfação, como sendo a de todos juntos, em uma só satisfação. Anônimo alcançara uma solidariedade tão grande quanto sua carência. Anônimo era triste por só ter o dom da criação. Pensava ser um gênio, mas preferia ser modesto e passar essa genialidade adiante. Anônimo era brilhante! Anônimo, anonimamente, felicitava o interior de suas criações, e quando sentiam-se felizes, agradecendo sem rumos, anônimo ficava em silêncio e, modestamente falava: jamais fiz algo. Felicidade é um merecimento nato de todo vivente. Sou feliz por viverem, enquanto vocês vivem por serem felizes. Não desejo que me enxerguem, pois eu já enxergo vocês. É por isso que vivo.
Era visível o vazio interior de anônimo. Vasto, deserto, amplo. E então conclui-se que o nada, é o tudo em potencial. Anonimamente, no lugar de lamentar-se por portar tal vazio, anônimo esvaziou-se do vácuo, expulsando existência e comodidade para todas as direções. A felicidade só passa a "ser" fora de anônimo. Dentro ela é nada. A felicidade de anônimo, é a felicidade alheia, somada, dividida e multiplicada. Por seu vazio, jamais, coisa nenhuma esteve em anônimo. Mas anônimo sempre esteve em tudo, anonimamente.
Devido aos direitos daquele que depõe, não será dito nome próprio algum que faça menção, direta ou indireta, ao mesmo. Dessa forma, chama-lo-ei de Deus.

terça-feira, 9 de março de 2010

A morena.














De carne é feito um eu
de abraços é feito um nós
então, morena
não perde tempo

O agora é demasiado instantâneo
se cria sem barulho
me beija no silêncio do agora
e afasta teu orgulho

Na montanha
herdei um chalé
guarda tua lucidez
pra provar do meu café

Então, morena
é morena desde quando?
mal nasceu e saiu andando, toda morena
a hora de te ver
é a hora que sou

Esquece você de Vênus
esquece eu de Marte
recriando a noite num abraço
sejamos juntos, um ser a parte

E então amanhã,
acordando no emaranhado dos lençóis
teremos um pouco de si
e um bocado de nós.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Besteira minha.
















Deus está na minha gaveta
a cor das minhas meias
iluminadas pela luz do dia
Deus vem de fora quando se procura dentro

Deus está na geladeira
quantas vezes abro
só pra pensar besteira

Deus é um chocólotra
feito de chocolate
quanto mais se lambuza
nascem bombons, trufas
se dissolve em nós

Deus é sem versos
verso é chave de gaveta
e é lá na minha gaveta
onde Deus está.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

O ponto.




















Eram infinitas portas
uma para cada modo de pensar
cada porta, uma lasca de madeira
infinitas lascas
montavam uma porta inteira

Uma porta espalhada
em mil portas abertas
todos se encontram antes do tempo curvar
é quando a porta despedaçada
começa a se montar

Palavras vencem o prazo
já não vale falar ou entender
coloque seu pedaço da porta
e deixe a dúvida para os que vão nascer

No ápice da curva
onde os olhos não piscam
onde não há espaço
para meio suspiro, sequer
não há ar nem água
somos um ponto

Minha verdadeira natureza
revelara-se intensa nesse momento
ser Deus, é ser um ponto
na curva espacial do tempo.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

A verbificação.




















Multiplicaram os primeiros
fiéis à seu espírito
e de boca em boca, vivendo
já eram todos iguais

Se genuíno, ao menos fosse
mesmo que deveras falado
já não nos serviriam as palavras
pois sentiriamo-nos afagados

As bocas
todas elas o conjugam
é um belo verbo, realmente
e a verbificação o fez banal

Eu amo
Tu amas
Ele ama
e cada explicação
o torna sacal

Parei ontem
de conjugar o amor
voltara ele, a ser nome?

Porém ontem
me conjugara, o amor
e foi assim, em verbo
que abracei o mundo.