quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

A insônia.
















Gilberto acordou no meio da noite. Saiu do quarto, andou a casa toda, sentou no sofá. Ainda ali, se recostou. Não demorou muito, levantou de novo, foi até a cozinha, acendeu a luz, abriu a geladeira: alimentos. Ele não tinha fome, mas aproveitou o acaso do destino em leva-lo à geladeira, que parecia tão disposta a recebê-lo... Catou duas fatias de pão integral, queijo de Minas, salamiho, presunto, requeijão, e isso, porque não estava com fome. Montou um sanduíche de alguns andares, e sem pensar muito, comeu tudo, com um copo de suco de abacaxi. Agora sim, poderia dormir se fosse a fome o motivo de sua insônia, mas nem era. Continuou perambulando pela casa, e num salto, foi até o quintal. Deitou na rede, olhou pro alto, caiu da rede, pulou o muro, subiu no telhado, ralou o joelho no chão, abriu a porta da garagem, ligou o motor do carro, e não sabia onde ir. Desligou tudo, entrou em casa novamente, recolheu os vasos de planta tombados pela sua hiperatividade noturna, e voltou até a cozinha. Olhou em volta, nada. Olhou a sala, nada. Resolveu voltar para o quarto e recomeçar sua noite. E foi ali, no momento do retorno, que Gilberto percebeu o motivo de sua insônia. Na cama, não havia ninguém o esperando. Não haviam preocupações de onde Gilberto estava a noite inteira. Gilberto acabou dormindo por desistencia.
Ao raiar o dia, as coisas pareciam melhores. Pareciam. Saiu na rua, o comércio estava fechado, as padarias não fabricavam pães, as farmácias abaixavam as portas, o serviço público tornava-se ausente. O que estava havendo? Gilberto andava pelo comércio, e as portas voltavam-se contra ele. Ficou semanas sem receber cartas, e ainda continua sem receber. Cachorros não latiam mais para ele, contas não chegavam, bancos não ligavam, cobradores, vendedores de vassoura, consertadores de panela, nada.
Certo dia, acabou a comida de sua casa. Teve que ir ao mercado. A rua estava deserta, e no mercado apenas uma portinha lateral - que não era a principal estava entreaberta e meio balançante. Adentrou o mercado, e ao adentra-lo, deparou-se com uma multidão enfurecida, que não estava ali. Onde estão as donas de casa, as crianças e seus biscoitos? Passou pela seção de limpeza, pegou uma garrafa de alvejante, outra de desengordurante, esponjas, uma vassoura, três baldes médios e uma caixinha de fósforos. Foi andando, e até que chegou nas comidas. Que maravilha! O mercado só para ele! Era triste, e ao mesmo tempo era bom. Sentimento estranho. Faltava a velhinha reclamona, o caixa mal humorado, o açougueiro que confunde trezentos gramas de carne, com meio quilo. Mas isso não o fez ficar mal, não no mercado! Pegou pacotes de biscoito, macarrões instantâneos, arroz, feijão, batatas fritas da Elma Chips, vários pacotes. Pegou Nutella, muita Nutella, Amendocream, muito! Estava quase derramando lágrimas de emoção por cima das compras fartas. Não havia caixas, nem funcionários de quaisquer espécies! Não havia nada e nem ninguém trabalhando ali! Lotou o carrinho de compras. Chegou até - em um ato de honestidade - ficar estático em frente ao caixa, para ver se alguém aparecia. Nada. Olhou o relógio de pulso, e foi feliz para a porta de saída, pela qual entrou.
Na rua estava tudo igual. E apesar da ausência de multidões, o Sol brilhava mais do que nunca. Percebeu que as compras não caberiam de uma vez no seu porta-malas. Pensou que, já que não há ninguém na rua, daria perfeitamente para ir em casa, largar uma leva de compras, e pegar a outra aqui na rua, dentro do carrinho. Foi o que fez. Agora, focando o cenário sem Gilberto, ao invés de Gilberto sem o cenário, o carrinho de compras reluzia eternamente na rua, com todos aqueles biscoitos. Nossa, belo prato! E de repente, a rua foi rompida pelo ronco do motor de Gilberto. Chegando ali, olhou alegremente para o carrinho, com tudo aquilo ali, gratuitamente. Não aguentou, e deixou sair, escapar, sem querer, umas três ou cinco lágrimas, de cada olho. Mas foi interrompido, ao ver que um de seus potes de Nutella estava aberto! Que?! - exclamou indignado. Como assim? Ele estava lacrado! Não! Não! Negou várias vezes a situação, urrou pela cidade: meu Nutella! Meu Nutella! Volte aqui, seu ladrãozinho! E acordou no chão, retorcendo-se: meu Nutella, meu Nutella! Devolve! É meu! Eu vi primeiro! Ta de graça! Eu não roubei, não havia caixa! Acorda, Gilberto! Acorda! - exclamou Mônica, sua esposa. E já abrindo um pouco os olhos, pode ver a vida como ela pode ser.
- está tudo bem, querido? Ontem você levantou, andou pela casa inteira, eu fui atrás de você, mas nem me viu. O que estava fazendo no telhado? Eu, hein...
- não sei, meu amor - respondeu Gilberto. Realmente eu não sei.
Levantou-se de vez, e foi até a cozinha, onde, no armário de lá, pode ver todas as compras que havia feito, juntas, no armário. Ao ver a lata de milho verde, lembrou que uma senhora bastante repulsiva, devido a sua insistência em dizer que os milhos deveriam se chamar "Milho amarelo", já que só a lata das ervilhas era verde. E no cantinho, lá, estocado no armariozinho da cozinha, estava o glorioso e saboroso Nutella. Certamente, esse, foi um dos melhores cafés da manhã de Gilberto.

sábado, 28 de novembro de 2009

O contido.




















Se cheio de vontades sou
atropelo vários tempos
carregando o que restou
sem livrar-me do que penso

Talvez por muito não poder investir
acumulou-se em mim, de tal forma
que grifara a palavra "existir"

Se por uma parede
desde muito, a onda é interrompida
não sei se o azar é da onda
ou da parede dolorida

Se por meus olhos
o que vejo é demasiado proibido
não sei se o problema é do que vejo
ou do mundo em que vivo

A vontade da minha mão
não é formada por vícios do que já encostei
quero de bom, o que ainda não tive
abrindo a mão, tenho tudo o que criei
fechando os olhos, tenho tudo o que vive

Outro dia fui andando
encontrando pessoas
abrindo portas

Abracei alguns
falei com outros
me assustei, me diverti

Terminando os cumprimentos casionais
vaguei a esmo
e pude acordar na minha cama
abraçando a mim mesmo.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

O contador de sonhos.















João adorava estrelas. Passava madrugadas inteiras contando, apontando, contemplando, vibrando, em ver estrelas. Pegara a mania de seu pai, que por sua vez, pegara de seu avô. Era quase que uma tradição hereditária.
Certa vez foi na casa de seu avô, que morava no interior de uma cidadezinha, em um sítio muito agradável. Chegou lá já de tardinha. Tomou banho, arrumou as malas, jantou, e disse ao avô:
- tô aqui fora, vô! Vou aproveitar a noite limpa, e contar essas estrelas no céu.
E antes que pudesse chegar na varanda, foi interrompido pelo avô:
- contar o que, aonde? Não há céu, João.
Um silêncio pesou no ambiente, e foi seguido de um esboço leve de sorriso, vindo de João:
- essa foi boa! Então o que é isso aqui em cima?
Mas ao contrário dele, seu avô não sorria. Continuou sério.
- não há céu em cima, João. Não há embaixo. No mais, não há céu. Como estarão, as estrelas, contidas em algo que vai para depois delas? Dizer que há céu, é confinar um espaço vasto, à um pedaço de visão infinitamente pequeno: nossos olhos. E outra, João - continuou o avô:
- tenho dúvidas sobre a existência das estrelas. Acho que o que vemos delas, já se foi há muito tempo. Somos tão pequenos, que o mundo em volta se move, e só recebemos essa resposta eras depois. Enquanto contar estrelas no céu, nunca vai terminar. Apenas olhe para o céu, e contemple-as, sem querer quantifica-las. Do que adianta um milhão de estrelas, se vai contar uma de cada vez?
João, indignado, perguntou:
- então o que contei todos esses anos, senão estrelas?
E olhando para o nada, seu avô lhe respondeu:
- você, João, contara sonhos.

sábado, 7 de novembro de 2009

Completemo-nos assim:




















Estou te vendo! - disse o surdo ao cego.
Que bom, pois te ouço perfeitamente! - respondeu o outro.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

A desculpa.
















Toda beleza
é inesperada
onde menos se procura
é mais encontrada

Penso agora
beleza minha qual seria?
a de viver?
a de existir?

Jogo fora
tristeza minha que queria
me entorpecer
me extinguir

Volta e meia
me domina a avidez
errei ontem, errei hoje
errarei amanhã, talvez

Se pudesse com certeza
de alguma forma lhe mostrar
o que sou está no espelho
por dentro de mim
e espalhado no ar

Queria até, quem sabe
ter mais senso
pois nesse tempo que me cabe
só resta fazer o que penso

Tantas vezes
revelara-se a verdade
e num salto
escapara de minhas mãos
misturando-se com a realidade
que não é dos sãos

Nessas grandes possibilidades
com caminhos entrelaçados
deixei de acertar
porque o mais fácil, era o errado

Então se em algum minuto
transformei-me em engano
lhe peço mil perdões
por errar ontem, por errar hoje
e por ser humano.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

A fraternidade.














O melhor presente
aqui me foi dado
ando e carrego comigo
os nomes que fazem de mim
um louco felizardo

Me levaram à sitios
me trouxeram de volta
me apresentaram sons
trabalham na minha escolta

Sempre que por ali
penso que posso andar
pois logo que me distrair
eles,
meus passos vão retomar

Me escondo por semanas
e toda vez que apareço
brindam-me com abraços
e aperto de mãos
ao meu redor não esqueço
pois nele sempre existirá
meus eternos irmãos.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

A libertação.















Solto a primeira nota
que vai marchando
firme e forte
soldado da tropa

Hoje é flauta
ontem foi piano
amanhã o que falta
é sair sambando

Pude ver certamente
ao abaixar as teclas
emitia um som reluzente
os objetos dançavam
e felizes eram
ao me ver contente

Humildade não há maior
que as teclas do cravo
me tratam como major
e comportam-se como cabo

Abaixam-se para propagar
a melodia que imaginei
reverenciam-se assim
como um sudito ao seu rei

Acho que já provado
não há sonho maior
do que ser transformado
em nota de escala menor

E de maneira similar
me curvo para a nota
tentando ser livre
sem sair da toca

Posso me dobrar de curvar
e ter a cabeça nos pés
e nunca serei como você, oh nota
livre como és.

domingo, 11 de outubro de 2009

A moeda.

















Nos tempos ociosos
que vivi ontem e antes
itens preciosos
revelaram-se brilhantes

Mesmo vivendo só um lado
entendia que o outro
deveria também ser abraçado

Se o todo deixa de envolver
logo decresce no equilíbrio
que em tudo vive
para nos fortalecer

Na volta do expediente
ônibus me conforta
sinais defeituosos
rua torta

Em cada estradinha deserta
que passava correndo
enxergava a invisibilidade desse mundo
aos poucos morrendo

Na lombada
ou por cima da pedra
percebo e emocionado penso:
aqui está Deus,
no outro lado da moeda!

sábado, 3 de outubro de 2009

Norte sulista.




















Acordei pedindo informação
cadê meu norte?
cadê meu norte?
sem ele não tem jeito, não

Passei o dia sem explicação
cadê meu norte?
onde está meu norte?
sem ele - sem orientação

Passei o dia com a testa na mão
cadê meu norte?
cadê minha sorte?
sem ele
perco a direção

Levantei num susto
pra atender o portão
era o mensageiro dizendo
que meu norte foi pro sul
passar as férias de verão.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Jardim roubado.

















Ai, minhas flores
levaram ontem
levaram hoje
chorei horrores

Aguardei na varanda
no cantinho
onde sempre sento
observando o que restou
balançar com o vento

E ela veio
na hora de dormir
pegou uma, duas, eram três flores
e resolveu sumir

Elas se foram
na hora de ir
um, dois, três amores
contentes por existir

A ladra voltou
começou a reclamar
disse que as flores plantou
para vê-las murchar

Prosseguiu assim
dizendo fazer-me um bem
levara minhas flores
e as de mais ninguém

Olhei em seus olhos
tinhamos o jardim
eu, a beleza do começo
e ela, o alívio do fim

Juntos somos por inteiro
aquele nosso jardim
dele, tens uns pedaços
e eu, o cheiro da jasmim

Me leve daqui também
aproveite a prima-vera
você me assiste ser
enquanto lembro como eu era

Levara-me dali
contente do que fez
toda hora sorri
por ter o jardim outra vez.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

A piada.















Resolvi ladrilhar
o chão da minha casa
pra quando passar, deslizar
e só parar de madrugada

Resolvi responder
todas aquelas cartas
respostas certas
nem todas exatas

Entendi de repente
coisas complicadas
e anotei no papel
em forma de piadas

Agora, a conta é um riso
adeus, uma gargalhada
falta de sorte, um sorriso
e o resto, risada abafada

Entrei no quarto
feliz na consciência
esbarram em mim
era ela: a ausência.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Gladiador de cores.
















O gritei pela janela
aroma de arroz
barulho de panela
hora de almoço
na casa singela

Borrões, latas, armário
cada um com todos
no mesmo cenário

Éramos três:
eu
ele
e o quadro xadrez

Logo iniciou
o transporte alucinado
a tela esverdeou
pelo pincel encostado

A tela apanhava
do pincel enlouquecido
absorvendo a tinta
como um louco absorve
o mundo distorcido

Logo terminou
o processo iniciado
pois a tinta derramou
no chão que, branco,
tornou-se prateado

O apoio não suportou
o peso da arte
no chão tombou - esparramando um vermelho de Marte
fiquei surpreso
com o que se passou
a arte havia nascido
erguemos a obra
e ele exclamou:
eis mais um quadro, meu amigo!

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

O dançarino.


















Me da sua mão
juro não ser matrimônio
me da um nome qualquer
João, José, Antônio

Me da um banho
me ensina a dançar
me escreva cartas
atire-as no telhado

Me da um abraço insano
me ensina nos braços, a te abrigar
me descreva com minuciosidades fartas
e me atire no canto da casa
sem nada falar

Me conta um pouco
da sua viagem
antes de sua chegada
atravessaste rua
atravessaste ponte
atravessaste estrada

Diz o motivo da sua vinda
me conta suas alegrias
e as minhas
serão melhores ainda

Embriagados dançantes
esqueçamos o passado
imutável e distante
relógio parado
de tempo é repleto
mas nenhum ponteiro pode
invalidar o que me torna completo.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Soluções.




















Quando o desejo, de mim
vai embora
ainda resta a esperança
de mudar o amanhã incerto
começando pelo agora

Quando o chão embaixo
põe-se a desmanchar
ainda resta o que mal sei
e, desconsertadamente,
ponho-me a voar

Quando o sono, que é meu,
sem luta,
resolve me deixar
oro pelo seu
para que o mesmo
possa lhe agradar.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Diferenças iguais.

















Janela é um buraco na parede
porta também
por uma, entra o visitante
pela outra,
flagra-se o assaltante

Prisão é grade
gaiola também
numa, o criminoso existe
noutra, um comedor de alpiste

Beijo é boca
mordida também
um, ferve-se o sangue
o outro,
o tira de alguém

Tapa é mão
carinho também
um, adormece o tesouro
o outro,
o protege de alguém

Oi, é uma saudação
tchau, também
um, é o Deus para agora
o outro
é o mesmo Deus,
indo embora.

sábado, 19 de setembro de 2009

O encontro.
















Mal amanhece
e se separam
não houve despedida
não houve adeus

Ela começa com "m"
é ousada
mas se mostra tímida
planeja encontros e situações

Ele começa com "s"
é livre e estonteante
alegre, às vezes triste
o bom, são suas excitações

Começa delirando
como quem a convida
ela, boba
cede sua vida
pois ao mínimo sinal de luz matutina
o abandono será inevitável

Uma semelhança
um do outro, é inseparável
ela gosta de fantasiar
como vestidos de menina

A nudez é sua natureza
vestida, então
perde a clareza
ela é o pincel
ele, a arte final
escrevem pintando
pintam escrevendo

O corpo torna-se passagem
ambos são um
janela e paisagem
um torna-se ar
o outro maravilhado
o começa a respirar

Esparramam-se na cama
não há um "boa noite"
o corpo se abstrai
um vê o outro se aproximar
foi necessário abandonar o mundo
para a mente,
o sonho encontrar.

domingo, 13 de setembro de 2009

A florificação.




















Uma menina passa pela rua
agora, o dever dos olhos
é saborear

Os anos passam pelo tempo
o dever dos sentidos
é recordar

Meu cabelo, estou vendo
estão brancos, descoloridos
tenho que cortar

Uma moça passa pela rua
esquecera a menina lá atras
minha mão passa pela testa
esqueci de viver.

Os anos acumularam-se em meus cabelos
que vieram a esmaecer
de vivo só tenho os olhos
que continuam a saborear
a menina que virara mulher
tal qual uma flor a desabrochar.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

O mergulho.




















É na curva que me perco
nos caminhos arrepiados
nos lábios sedentos
no mergulho entre os seios
seja com os olhos
seja com as mãos, nos seios alheios

Um mergulho que - a princípio - sem volta
me renova, me alimenta
não quero a superfície, quero a revolta
quero aprender a respirar aqui
bem no fundo
é loucura, é o mundo

É a pele, a cor, a fragância
sem erro, dor, ou arrogância
é um mergulho numa reta
o fundo é um palmo meu
e lá eu moro
fecho os olhos, já que é breu
e esqueço toda ciência
meu raciocínio foi banido
ele grita fora de minha essência

E só ouço murmúrios
que nem fazem sentido
sou um pedaço de vontades
desejos e perigos
me movimento de acordo com as verdades
olho para o alto
e a superfície é um sonho, totalmente abstrato

Busco com mil braços uma resposta
e as curvas me dobram, redobram, desmontam
minha intenção está exposta
busco com dezenas de suspiros
busco algo que esteja escondido
sou um lamento mínimo
no meio de um vasto prazer
sou o que, diante a isso, só pude querer

E o corpo que antes não era meu
me traga, para que eu o possa ser
não é onda, não me cansa
e ao me ter
torna-se comigo uma unidade
sou uma lâmpada acesa
no meio de uma cidade

Posso esvair-me aqui
desunindo-me do um, de mim mesmo
mas a magnetude desse brilho
ecoa como um gemido, para sempre propagado
pelo momento em que pude renascer
procurando, louco, algum apoio ao lado
sem saber que nesse mergulho
eu seria afogado.

domingo, 16 de agosto de 2009

A direção.


















Os olhos estão fechados, entretanto, a consciência já retornou ao corpo. E assim inicia-se
mais um dia. Antes mesmo de encostar seus pés no chão, Orfeu começa a incessante lista de
perguntas e conjecturas, idéias,possibilidades sobre o que o cerca. Sou diminuto e perecível, sou breve - pensava ele. Somos breves. Tudo está em movimento. Eu, meus átomos, minhas moléculas, minhas células, a Terra, o Sol, os planetas, as estrelas, a galáxia, tudo. Será então, que o universo também movimenta-se? Como se estivesse contido em uma cúpula de inimagináveis anos-luz de tamanho. Hoje, não tenho como saber - pensava consigo.
O café cai na caneca, e o barulho que surge, propaga por todo o ambiente. E todo o ambiente prova do café. E Orfeu continua suas conjecturas... Tudo é uma questão de probabilidades instantâneas - imaginou. Não existe destino, as coisas não estão determinadas. O que ocorre, é que a há uma imensidão de probabilidades. Dessa forma, existe uma consequência para qualquer
ato, mas isso não significa que eu fiz determinada coisa, pelo simples fato de que era para ser feita por mim. Isso, para mim, é uma parcela de ignorância, pois estaremos ignorando - se assim pensarmos - que podíamos escolher por não fazer determinada coisa. Então, há uma possibilidade para cada evento, e há uma infinidade de eventos. Coisas que a primeira vista pareçam insignificantes na participação da sequência de fatos no dia, são na verdade, importantíssimas - ele conjecturou. Se por acaso eu resolvesse não tomar esse café, não estaria pensando nessas coisas. Se eu não tomasse o café, poderia sair mais cedo, e assistir ao acidente ocorrido na avenida principal. Uma infinidade de possibilidades constroi uma textura maior, a qual chamamos muitas vezes, de destino.
Existem também, inúmeros paralelos. Um deles é o que costumo chamar de "conservação de eventos", com uma idéia igual à conservação de energia. Podemos sempre aprender com alguma
coisa, mesmo sendo um acidente, um incidente, uma separação, seja o que for, será um evento, e podemos utiliza-lo de alguma forma para seguir um determinado caminho. Isso faz parte da imensa quantidade de possibilidades. Não se trata de Deus jogar dados, mas sim, que não importa qual resultado prevalecerá, pois sempre haverá uma consequência, pois tudo é uma possibilidade. Nossa inteligência, designação e capacidade de raciocínio, pode ajudar a previnir coisas indesejaveis, mas ao mesmo tempo, também faz com que ocorram coisas de um alto nível de estupidez.
Orfeu, agora, preparava-se para um banho, mas como sempre, sem deixar de pensar nessas
coisas. O banheiro da casa possui uma vidraça relativamente grande, que apontava para o céu, e
deitado ali, dentro da banheira, olhava a vidraça, que hoje, estava totalmente azul. E de repente, uma mosca resolveu atrapalhar seus métodos de entendimento, mas ao invés de sentir-se afetado, buscou outro modo, outra possibilidade, e resolveu pensar na relatividade das coisas,
mais precisamente, da vida. Essa mosca dura uma semana - começou ele. Mas quem disse que ela sabe disso? A vida dela pode ser tão confortavel em questão de duração, assim como a nossa é para nós mesmos. Quem alega que ela vive por uma semana, somos nós e nossas medições,
categorizações, designações. O que podemos perceber, de fato, é que ela vive por um período de
momentos menor do que nós. A vida da mosca, para nós, é um sopro. Mas se percebermos de uma forma mais ampla, veremos que para o todo, também somos moscas. Somos um sopro no meio das estrelas. Contudo, somos grandes na importância que temos em relação ao universo. Da mesma forma que nossas células(da pele, por exemplo)morrem e nascem, agora, e depois e agora de novo, mantendo a aparência e textura do todo, que parece ser eterno, se comparado com as
células. Somos assim como essas células, breves, se olharmos o todo que nos cerca. Da mesma
forma que os minutos constroem a hora, e os dias constroem o ano, uma miríade de eventos
breves, constroem a eternidade do todo. É como uma plataforma gigantesca sustentada por uma
infinidade de pilastras, que aparecem e desaparecem, incessantemente, nunca estando em excesso ou falta, sem deixar que a plataforma caia.
Orfeu começa a se enxugar e não pára de cogitar. Existem vários lados para todas as coisas.
Uma moeda sem o lado cara, ou sem o coroa, não possui valor comercial. A moeda é formada por
dois lados, logo, de certa forma, os dois lados constituem o valor total da moeda. Assim é com
a alma e corpo. Quando um desses encontra-se afetado, inevitavelmente afetará o outro. Uma
depressão, que é algo emocional, sentimental, da alma, pode causar danos ao corpo. Podemos
deixar de comer, perder peso, ficar vulnerável à coisas que são banais quando se tem o
organismo saudável. Ou seja, o equilíbrio está na nutrição adequada de todos os lados que
existem. Ainda, então, nem o equilíbrio é absoluto, ele é o resultado de porções igualadas, de coisas opostas, e para alcançar o equilíbrio é necessário que, antes, esteja desequilibrado.
Orfeu vai até a cozinha, enche mais uma caneca com café, e dirige-se ao quarto. Abre seu
armário, e contempla-se no espelho, e continua suas questões e propósitos... Se tudo e todos
estamos conectados, tudo é possível. Se depende de nós, uma possibilidade ser remota, é
característica maior de nossas próprias mentes, de nossa economia, de nossa civilização, etc.
Não vou para o Japão, não porque não quero, mas primeiramente, porque não tenho condições. Mas a minha ida ao Japão, nunca deixará de ser uma possibilidade.
Outra coisa que não é menos ou mais importante - lembrou, Orfeu. Vivemos em uma vida que não é ela realmente. O que vivemos é o que vemos, e o que vemos é uma máscara tapando a verdadeira face da realidade. Essa máscara é formada por palavras, expressões, entendimentos errados, limitações, tradições, etc. Sei que é uma máscara, só não sei o que há por trás dela, para que eu saiba é necessário transcender as palavras, limitações, designações, nomes, etc. Quando
percebermos que esses limites não são, de fato, coisas concretas e absolutas, verdadeiras, mas
sim, que essas coisas apontam na direção do que existe realmente, atingimos um nível de
existência no qual vivemos a realidade como ela é. Existem vários caminhos para alcançar esse
entendimento. Seja com uma religião, seja com uma doutrina, basta que seja algo do bem. E o
que se encontra nesse nível de realidade? Apenas a realidade como ela é? Penso que não -
balbulciou, Orfeu. Acho que além de ver a vida como ela realmente é, conseguiremos enxergar o
Deus que tanto procuramos. Deus não está lá ou cá, apenas. Só atingiremos esse estágio de
entendimento, quando abraçarmos o todo. Existe muito o que pensar, muito o que falar, muito o
que cogitar, porém, o que sinto é maior, e por parte, mais valioso que as palavras que posso
mencionar. O que sinto me explica com todas as palavras aquilo que busco. Só quero deixar
claro para mim mesmo - constatou - que o amor é um dos nomes que aponta para o todo. Se querer alguém ou algo só para si, é amor, tenho receio de que exista algo superior e mais abrangente que isso. Não sei se é uma compaixão infinita, ou uma solidariedade surreal. Só sei que amor mesmo, é conseguir enxergar o todo nas partes que o formam. Busco por isso. Pois essa é minha religião: o todo.
Orfeu, então, veste-se e sai de casa.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Breve conforto.




















Concretizei-me aqui
aprisionado neste ser
minhas mãos, meus olhos
e o amanhecer

Há alguém assistindo a alvorada
um ser minúsculo
levanta, se alimenta
e perece antes do crepúsculo

Há alguém imaginando o nada
que cria o tudo
se espanta, se contenta
e enxerga ser miúdo

Por fora não há certeza
meu teto pode ser, quem sabe
um chão
meu medo pode ser um alibi
em vão.

Onde moro
ando nesse asfalto
as condições, ignoro
por saber estar no alto
junto às estrelas, encostado na noite eterna
ela me envolve e me conforta
suspenso e deitado
em cima e embaixo
do espaço estrelado.

terça-feira, 28 de julho de 2009

A sentença.




















Num minuto é água
Em outro, desce ligeiro
Num minuto é mágoa
Em outro, prova-se o tempero

Os livros abertos e jogados
no chão
na cama
no telhado
O mérito perdido
nas páginas dos capítulos
de cada livro

A pausa inalterada
do tempo no espaço
uma lâmina afiada
cortando o vento com o aço

O dado lançado
se pesa, é fardo
se perdura, sustenta-se
tal como um laço

Um dedo que mostra
apontando para cima
o vazio que há lá fora
é o mesmo que dentro, me domina
Um medo que frustra
cansado da sina
o jazido que há lá fora
é o mesmo que encontro na guilhotina.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

A redenção.



















As tropas estão posicionadas
capacetes, lanças e espadas
os soldados estão preparados
pais, filhos e bastardos
o chão já foi retirado
como um tapete de veludo
puxado dos pés do conde
o grito já foi expresso
da boca do filho do universo
E a batalha já tem início
de um lado os sãos
do outro, o hospício
de um lado, dão às mãos
do outro, correm o risco

Não há juiz, não há castigo
as faltas cometidas
citarão seu destino
não há fim, não há umbigo
todos nasceram do mesmo ventre
cada um será sucumbido
Aproximam-se velozmente
já é possível enxergar-se
na lâmina do inimigo

E os lados correm um ao outro
haverá então, um brinde comemorativo
Mas a vitória estará na taça erguida
ou no sacrifício do inimigo?
Já não há pensamento
a arma, agora, guia o guerreiro
logo será o momento
do cabalístico instante derradeiro

De um lado espadas
do outro, escudos
de um lado a lança
do outro, a esquiva
de um lado o ódio
do outro, a vida

Tudo será aqui
o sangue, o sabre e a lágrima
Tudo será aqui
avante e adiante,
até à lástima

Finalmente, então
espeta-se a arma no inimigo
não há som
não há glória
não há brilho
A vitória não será do pai
do bastardo,
e nem do filho

O universo está gotejando
dos olhos; do peito
está esgotando
no rasgo, no leito

A sobrevivência
não será daquele que mais matar
será, sim, o mérito
daquele que primeiro acordar.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

A descoberta.




















Descobri faz uns momentos
que é possível fugir
por uns tempos

Descobri ainda agora
que o mundo é maior
dentro de mim, do que lá fora
Descobri o nada

Vi a casa sem faixada
a gaiola sem grade
bahiana sem cocada
paróquia sem frade

Descobri o mundo
vi cegos, oriundos
vi gente, que vê
e não sente

Vi a não-visão
ausentando-me de agora mesmo
encontrei-me no vão
agora mesmo
chorei sem razão
enchi minha casa
de contos a esmo

Sem quem contar
contei meus contos
pra mim mesmo
sem porque chorar
chorei no conto
no canto
e no esmo

Descobri na madrugada
chuva, luz, e martelada
o que descobri mesmo, foi o nada.

A não-existência.



















Todos os dias
se tornam um
mas eu vivo todos
e sou um

Cheguei a pensar que tem um espelho
no meio desse lugar
bem no meio
e tanto faz, um lado
ou outro
se espelha no espelho
e me deixa solto
solto, dentro do espelho
espelhado, perdido
no começo do semêio


Sem frente, sem passado
esse é o futuro do espelho, do espelhado
mostra agora, o que vejo no centro
lá, no guarda-roupa
tem uma cadeira onde sento
na minha cama
uns travesseiros, uma água
só não tem
mão que afaga

e no começo do quarto
é o fim da sala
disso, estou farto
fico na soleira do quarto
na quase-sala
com água
sapatos e mala

Fico na saída do quarto
sem água, espelho
sem fala.

Imortal.




















As palavras caem
de nossas bocas
elas saem
sem destino, sem lugar
e ficam planando no alto
esperando que alguém as capture, ao respirar

Mas são só palavras
sem verdade, sem destino
só foram ditas, para servir de ensino
e quem tem caverna, dorme na pedra
quem tem pedra, constroi castelo
lá em cima estende uma bandeira
de verde, de preto, de amarelo
e no caminhar com o peito trincado
escorre a essência do ser animado
e congela o sangue, do cego criado

Existem escolhas
existem salas, quartos
existem folhas, que caem das árvores
em cima do gramado.

Existe um contador, que apita
em cada segundo, um baque fatal
o impacto me leva ao início
e a cada instante, sou imortal.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

O desperto.
















Certo dia, dois amigos conversavam sobre vários assuntos. Um deles, era mais velho, bem mais velho, tinha seus setenta anos. E o outro, seus vinte. Até que o mais velho lhe perguntou:
- onde estamos, amigo?
E este respondeu:
- ora, estamos aqui!
Então, o mais velho prosseguiu:
- me acompanhe, e vou lhe mostrar onde realmente estamos.
O outro, sem entender muito, o acompanhou. E após andar um pouco, o velho lhe fez a mesma pergunta:
- onde nós estamos, amigo?
E o mesmo lhe respondeu:
- ora, estamos aqui!
- É o que você percebe? - perguntou o mais velho.
- Sim, pois é o óbvio!
- Certo. Então diga para onde vamos - falou o mais velho.
- Hum. Vamos para lá - e apontou para onde tinham partido pela primeira vez. E sem dizer nada, voltaram o caminho. Após chegar no lugar desejado, o amigo mais velho lhe perguntou serenamente:
- Onde estamos?
E o jovem, respondeu sem pestanejar:
- Estamos aqui, amigo.
E o outro prosseguiu:
- Já percebeu, que estamos sempre indo "lá" para estar "aqui"? O "lá" existe apenas em sua mente, pois o que existe mesmo, é o "aqui", o "agora". Você sempre quer alcançar "lá", mas nunca o encosta, pois esteve "aqui" o tempo todo. O "lá" sempre será o futuro, ou o passado, pois, de fato, ou sempre vamos querer estar "lá", ou sempre partiremos de "lá". Só que, quando nos perguntamos onde estamos, veremos que sempre, sempre estaremos aqui. Por isso, nunca ande em vão. Ao invés de "estar indo para lá", perceba que, está "aqui", independente de onde esteja.
Após ouvir essas palavras, o jovem - subtamente - despertou, e percebeu que a maior caminhada que se pode fazer, não é a de "aqui pra lá", nem a de "lá pra cá", mas sim, a de todo instante, não importando o quanto se anda.
Depois desse dia, o jovem deixou de "ir" à vários lugares, pois percebeu que sempre esteve neles.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

O manifesto.















Minha vida é um pote
que sempre vazio, convida o mundo
Minha vida é um corte
que saboreia o corpo e a alma; profundo
Minha vida é um segredo
um lápis
uma cor
Minha vida é um sonho, um suspiro
mais de um sabor
Hoje, amarga
Amanhã, salgada
Vezes, doce
Minha vida é um ponto
no alto, no cume, no ápice
É meu alcance
um asfalto, um fruto, um cálice
É a volta pra casa
Um manifesto, uma alteração
Um momento sim, e outro não
Minha vida é hoje
É uma confissão, progressão, intuição
É um lado, um teto
Um caco, uma quebra
Um lapso, um "agora"
Um movimento
um pensamento
Minha vida move, comove e remove
Estica, ataca, atinge
Eterno esboço
do morno cotidiano
sempre desenhando meu "existir"
ao passo que vou esquentando
Até dissolver em tudo e sumir
Minha vida, meu contorno
minha saga, meu ouro
Minha vida, meu retorno.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Desnexo.




















A minha janela fica ao lado da porta
Visitas sofríveis dispenso aos flancos
Do lado de fora, estou me chamando
Atendo? Ou fico aqui, sonhando?
Questiono o impasse de pensar ou viver
Posiciono a mente no estar; no ser
E trafego por sobre minúcias
Minúcias desfoques de nexos sentidos
Que vagam no eterno
E encontram abrigo no vazio
De um cômodo sem portas ou janelas.

Gabriel Pereira e Anderson Ferreira.

Anderson Ferreira posta em: http://esbocofinal.blogspot.com

domingo, 7 de junho de 2009

Meu caminho.
















Nos meus olhos - meu mundo
em minhas mãos, um relógio
nos ponteiros, uma chance
nas chances, mais erros

No meu peito - bem fundo
um som, quase mudo
na minha boca, sem voz
um pacto, um laço - milhões de nós

Na minha cama
meu sono, minha alma, meus lençóis
na lama
a chuva, a terra, e alguns de nós

Dentro da cabeça
o volante, o timão, a supervisão
e o ar que entra
inunda meus pulmões
saio na rua, cato laranjas, goiabas e maçãs

Na importância - a verdade
sigo em frente, sem trazer o passado
sigo em fente, olhando meu lado
no tempo, a ausência da idade
tropeço nos problemas, ficando cansado
na estrada, um caminho
no caminho, um coração
no coração, um infinito sem explicação

Os meses passam
com as horas correndo pelos dias
e toda noite
os sonhos, são armadilhas

Mas sigo sempre
meu lado, meu caminho
meu coração
minha mente.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

A mudança.




















Mudança é o que impera. Só há mudanças. Determinado processo iniciado hoje, de certa forma, nunca terminará, pois tudo o que se seguir após seu início ainda será o processo, desde que tenha relações com a época em que foi iniciado. Ou seja, todo e qualquer processo estará sempre sujeito a mudanças. Dessa forma, é possível dizer que não existem fins, mas sim e sempre, novos começos, os quais se sobrepoem uns sobre os outros, anulando assim, de certa forma, o que havia começado ontem.
Visto que a vida segue, da mesma forma acontece com tudo o que existe, ou seja, as coisas seguem. É fácil notar esse fato analisando a lagarta, que lenta e curiosa, com suas cores vivas, jamais deixa de ser lagarta pois em um momento caminha, no outro ela descansa dentro do
casulo, e após adquirir vontades indomáveis, a lagarta sai voando, mais colorida e deslumbrante. Não notei nesses processos o fim de nada, notei apenas começos sobrepostos. Notei o começo da lagarta, o começo da pupa, o começo da borboleta, e depois, o começo de um mundo sem a borboleta.
Assim, o êxito é na verdade, não a conquista de algo específico, mas sim, o êxito trata-se da perseverança, a vontade de ser sempre mais do que se é no momento atual. Dessa forma, o
êxito é a condição de estar sempre em mudança, de acordo com as situações impostas. Por isso,
não se deve ser forte, pois a força sempre será relativa, existirão coisas mais fortes.
Deve-se sim, ser flexível, pois dobraremos de acordo com as mudanças, e após, retornaremos ao
equilíbrio, estando mais fortes, mais resistentes, mais calejados.
Jamais teremos tudo, pois ao buscar o que não temos, podemos perder o que temos. Assistimos
a isso quando vemos os aviões decolarem, conquistando o céu, e perdendo o chão. Sempre seremos pobres, pois por mais que tenhamos, sempre estaremos sujeitos a perder. Os capitalistas ricos, tem o dinheiro como riqueza, os colecionadores tem como riqueza, suas coleções, cada um tem algo de importante, sendo que uns visam mais determinadas coisas, mas cada riqueza existe em porções diferentes, em diferentes seres, que sofreram diferentes mudanças, ao terem diferentes êxitos. A verdadeira riqueza, então, consiste não no que temos, nem no que queremos ter, mas sim, no valor que damos aos objetos, pessoas, coleções, dinheiro, palavras, que temos e que não temos. Sempre seremos pobres de alguma coisa, pois um capitalista pode não ter amor, um materialista pode não ter amigos, os colecionadores podem não ter outra coisa, se não, suas coleções. Visar sempre não só o que nos faz rico, mas também o que nos torna pobres, é a humildade. É saber o que foi, o que é, o que pode ser, e o que sempre será importante, sempre vendo no que somos ricos, e no que somos pobres.
O tempo sempre morre e nasce, instantâneamente. E dessa forma, se estende infinitamente, sofrendo a mudança cruel de nunca ser o mesmo que era. Na verdade, nem sei se o tempo pode ser algo, acho que o tempo é a flexibilidade onipotente e onipresente, que faz, ou melhor, que nos
força, a ser tão flexível quanto ele. O tempo não tem coração, pois este, é o sinal fixo de inflexibilidade. Quem tem coração, carrega para sempre os tempos que já morreram.
Então, no processo de sempre seguir em frente, de sempre mudar ou ser forçado a mudar, de sempre ter que esquecer coisas, nesse processo buscamos o êxito no equilíbrio entre saber esquecer o que deve ser esquecido, e levar por dentro, o que deve sempre ser vivido, recordado. Ao ir sempre em frente, substituimos nosso coração por pedaços de pedra, e assim temos um equilíbrio entre o valor que possuímos, e o valor que atribuimos. Cada pedra, é o valor que não recebemos. E o que restar do coração, são os que amamos e que, reciprocamente, nos amaram. Levando nossos corações, e deixando os deles.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

O programa.
















Tudo seria mais fácil, se não tivessemos vontades e desejos. Se fossemos feitos por linhas de comandos, comandos que não fossem criados por nós, porque se fossem nossos, seriam os desejos,as vontades. Acho que seria mais fácil, porque dessa forma, aceitariamos com uma certa facilidade,o que chamam de destino. Porque se existe uma história formada para cada ser, seria melhor que não possuissemos vontades contrárias aos fatos que fossem presenciados no momento atual. Porque, vontade mesmo, é fazer o que se quer fazer, independente das condições, se são favoráveis ou não.
Nasce um ser humano, que de humano só tem a aparência, pois sua vida não passa de um simples programa, tão igual à um arquivo de computador. E esse humano luta, reluta, e tenta cada vez mais, construir alguma coisa. Mas a única coisa que ele tem, são suas linhas de comando, das quais, é mero servo.
Seu sistema é simples, constituído pelo espaço aonde se encontram as linhas de comando; por outro diretório, no qual se encontram todos os desejos e sonhos, que não passam de desejos e sonhos; e por uma lata velha, aonde se despeja os desejos e sonhos, que depois de um tempo crescem e admitem sua forma madura: a ilusão. Importante mencionar, que os sentimentos estão inclusos ou anexados, aos desejos.
Esse ser, passa a vida tentando encontrar alguma coisa diferente das linhas de comando, que ele nem sabe que possui. Talvez por isso, sempre acabe seguindo em frente, na busca daquilo que pra ele, definitivamente, não existe. Ou então, poderíamos saber que somos marionetes de linhas de comando, assim viveriamos em paz, nos deixando guiar por nossas linhas.
Os sentimentos seriam arquivos corrompidos, alguma espécie de malware ou worm, ou cavalo de tróia, que se anexaria aos nossos desejos, como mencionado acima. E uma vez em nós, não haveria como retirar eles dali, só formatando nossas linhas de comando, ou seja, só nascendo de novo. E os sentimentos se espalhariam por todo o sistema, invalidando todas as linhas de comando, e revigorando os desejos e sonhos, que a cada dia, cresceriam mais, e mais, para no final, ser uma gigantesca, brutal e destruidora ilusão, que acabaria por ter seu lugar preparado na lata velha receptora de ilusões e sentimentos nocivos a saúde, no caso, nocivo às linhas de comando.
Seria mais ou menos assim: o ser conhece uma pessoa, que através do seu olhar, injeta o vírus nas suas linhas de comando, e se copiando em cada linha de comando, portanto, tornando-se mais de si mesmo, crescendo, ele toma conta das linhas de comando, e deixa o espaço para que o diretório dos sonhos e desejos se torne o principal. Após infectar todas as linhas de comando, ele consegue acessar o disco local, que não mencionei anteriormente, pelo fato de nem todos o possuirem, pois trata-se de um coração. E uma vez lá, uma vez de passagem pelo coração, ele deixa de ser um arquivo temporário, e torna-se componente necessário para o correto desempenho do ser que foi invadido. O que houve, foi uma total e completa substituição de linhas de comando, pois nota-se que agora, as únicas existentes, são os sonhos e desejos. Que aumentam de tamanho e importância, e se ramificam, originando diretórios e arquivos que contêm características do principal(desejos e sonhos) e acabam por montar um novo sistema, um ser programado por linhas de comando de um sistema forasteiro(amor).
O tempo passa, os sonhos se multiplicam, os desejos inflamam. E de repente, numa mudança brusca de padrão, o vírus - agora seu atual sistema - é deletado, é evaporado. Mas ele vai só, se vai sem levar suas criações, suas cópias, vai apenas ele. E o ser fica estático, com seus sonhos, desejos e vontades, estourando dentro do peito. O que fazer? Suas antigas(originais) linhas de comando, foram substituídas, e agora, o sistema do ser é baseado nos seus sentimentos, que antes existiam apenas para confrontar os antigos originais, para dessa forma haver razão para a existência. Existem algumas alternativas: formatar-se; despejar as linhas de comando na lata de lixo juntamente com o coração;ou fingir que está tudo corrreto.Todos os intens são opções. E dessa forma, ficar vazio, apenas se alimentando para depois gastar as energias no esforço de apagar aqueles sonhos, aqueles desejos, que já nem cabem na lata, de tão grandes. Mas com o tempo, acredita o ser, essa ilusão se desfará, pois seu próprio nome diz, é uma ilusão. Por mais que afete, por mais que machuque. Mas e agora? O que fazer agora,enquanto o ser tenta imaginar o que fazer com essas novas linhas de comando, com essa nova vida. Não se desfaz uma estrutura dessas da noite para o dia, e ainda, sem ter outra estrutura. Só há uma saída. Esperar outro vírus. Quem sabe ele resolve ficar.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

O resquício.




















De tal altura
ao atingir o chão
se teve espatifado
com os cacos em vão
criados pelo inesperado

O que se anda em frente
é o que torna sã, a mente
o que fica estilhaçado
não é mais meu,
é do passado.

Os fragmentos,
desfragmentados, e de mim, descolados
indicam que passei por ali,
indicam que vivi ali.

Faltando partes, do meu espírito
capengo em frente,
e ponho uma rocha,
em cada parte ausente,
de minh'alma,
que, como as rochas
torna-se fria, assim,
de repente.

Os olhos trabalham
vendo as imagens
que com força evoco
que com força,
deixo em foco
tentativa de tornar presente
o que já se foi
isso é a ausência,
me dizendo "oi".

Sua imagem se concentra
toda em mim, por inteira
tenho teus olhos
tenho tua mão, tua pele e corpo
te carrego por dentro, infinitamente
com medo de usar certas palavras,
que um dia usei, inevitavelmente.

O "sempre" que pensava
não se formava agora
ele existe estático
milênios daqui
esperando pra sempre, a promessa de alguém
que não soube aonde ir.

domingo, 29 de março de 2009

A construção.














Sem afeto
deu a parede, fez-se o teto
algo amou algo.
Sem razão
deu o pé ao chão, e a sua mão à mão
e a dor do medo cria o tempo
que brilha longe, o Sol
do qual eu me esquento.
Agora sem tempo
fortaleceu a parede, esticou o teto
Com emoção
deu o pé ao vento, com a mão na mão
e a certeza do que sou, cria o que penso
que sinto perto teu calor
do qual me sustento.

quarta-feira, 18 de março de 2009

De dentro pra fora.
















Uns tem muito
não sei se poucos
ou se muitos
mas sem dúvida
muitos também tem pouco

Cria-se do nada
só achamos que tem
e sem pensar muito
chamamos de mundo,
um certo alguém

Talvez em algum lugar
chamem de relativo
e assim destroem hoje
o que no coração, está ativo

Não se quantifica
não se faz força
nem se quer explica
que o que dura, definitivamente
tem que estar no coração,na mente
no carinho da mão,
no sorriso do dente

Desse, não se dá o que se tem
atribui-se aos demais
assim definimos alguém
pode se ter mais, muito mais
ou ser nada, para ninguém

Só então,
quando se vai do nosso redor
existido apenas dentro de nós(apenas)
atado com nó
amarrado pra sempre
até ser pó, cegando os olhos
os olhos da gente

Não deixe ir
o que hoje,
te separa os lábios
fazendo sorrir
mande ficar
pois meus lábios também sorriem
por poder te beijar

Ficar parado?
Aqui, do lado...
Pois todo enredo que se faz
só se mudam as letras
Já tentei me distrair
varri o quintal, arrumei as gavetas,
e sem ter aonde ir
fico parado, bem aqui,
do seu lado

Talvez o erro
seja a permanência
e o acerto, por sua vez,
a ausência. (Tolos acreditam nisso)
Meu erro é ter,
e esquecer que sou
Outro erro é ser
e esquecer de me lembrar
o que esqueço de ver
o que esqueço de me avisar.

Assim é o valor,
damos sem saber que temos
o dos outros lembramos
o de nós esquecemos.
Sofre a espera,
quem de valor é farto
e todo dia é véspera
pra quem tem vazio, o quarto.

E cada dia comum
toda tarde só
só cresce,
cresce esse nó
me prende sem me aprisionar
deixando-me livre, por sempre te amar
pois sentença real
é não poder lhe olhar
é ter meu lado vazio
como hoje está.

E quando estiver exausta
ao se deitar na cama
ou sentar na grama
acredite que ao invés de perder
ou no chão abandonar
para o valor conhecer, depois das mãos desatar
como essas rimas simples
fáceis de se entender
acompanham os olhos
de quem tenta ler
Veja que os mesmos olhos
também acompanham
verso curto,
outro breve, vivendo no Sol
esperando que neve.

O que fazer?
Fico aqui, parado
fingindo não te ter
só pra ser procurado.

terça-feira, 10 de março de 2009

Qualquer casa, meu café.
















Era um rio
tiraram-lhe as margens
agora, o rio é o mundo

Era uma janela
levaram a paisagem
agora,
só é janela
de dentro pra fora

Era, certo dia,
uma pedra
levaram-lhe tudo a volta
agora pedra,
é nome, revolta

Um dia
levantaram as mãos
e nada caiu do céu
"pedra na janela"
agora pedra de fora pra dentro
e janela,
só pensamento

Dia desses
pegaram uma maçã
e roubaram-lhe o ventre
na terra, atiraram suas sementes
da terra, sairam seus parentes
roubaram caju, manga e goiaba
da terra saiu caule, flor e beterraba

Ontem mesmo,
montaram uma porta
e a partir dela,
uma casa.
Só é porta pra saída
pois quem entra pela mesma
adentra a casa, que em volta da porta
foi construída

Hoje,
é dia de volta
volta o dia, volta a tarde
e acima das minhas pernas
mora minha cabeça
que embora ali esqueça,
vaga a esmo
e entra pela janela sem paisagem
da casa que levantaram ontem mesmo

Amanhã,
vão tomar o café
com gosto de saudade
a cada gole quente - uma lembrança sem idade
e assim se entende
que a saudade é um futuro
que mora no passado,
da mão dada, do café tomado.

Com força carreguei
o ontem pesado ao hoje,
quando acordei,
abri a janela, e a porta
escrevi a palavra "casa" na pedra
e a pedra, de casa chamei
lhe dei porta e janela
e uma paisagem plantei.

E amanhã,
vão sentir falta,
vão omitir, vão inventar,
mas saudade não é o tipo de nome
que se pode mudar.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

A soma das divisões.




















Quanto chão que separa
quanto ar que se respira
quanta noite se dorme, só os olhos
pois dentro, é dia

Quantos lábios se separaram
no sorrir da ironia
e quantos se calam
na certeza mais fria

O copo, que de leve, queda
da pia escorregadia
se faz aos pedaços
nos ladrilhos, reluzentes ao dia
e de repente
o copo é lembrança, o copo é nada
não há copo, assim, de repente
reluzente ao dia

Mil anos de Sol, mil de Lua
se quebram no girar do mundo
e espatifam-se em horas e minutos
e cada dia é parte do "para sempre"
que um dia existiu junto
mas que se propaga e situa
na vontade de sarar
sarar essa dor, essa dor da noite
reluzente ao dia

O amor, que de repente, cresce
dentro de quem o tem
se faz maior, e coloca-se, de dentro para fora
transbordando-se, aparece por volta
e não mais dentro, queda
de quem o tem
e nos dias reluzentes, ou nas noites do "para sempre"
se faz aos pedaços, no chão de barro
e diferente das cerâmicas
que se anulam ao quedar
tem-se mais amor, ao dividir
o de quem o tem

A falta, que de repente, cresce
dentro de quem a tem
se faz maior, e poe-se, de dentro para fora
aparecendo ao redor
e ainda dentro, atira-se para fora
se multiplicando no chão, no ar que se respira
no dia que se vive, no lábio que separa, e no que cala
e preenche sem dó, quem deixou no chão de barro, e espatifado
aquele amor
que se propaga e se situa
na vontade de sarar, sarar essa dor
que já é o mundo, e girando
espatifa-se em horas
e sem fim, e "para sempre"
quanto mais se quebra
mais falta se sente

Então, separam-se os lábios, com ironia
e no sorriso - ainda que falso - reluzente ao dia
assimila-se o indesejável
mas triturar-se, é característico da falta
e como um mundo rodopiante
quebra-se por dentro "para sempre"
reluzente ao dia
assim, de repente
não há o nada, porque esse
a falta preenche
e se quebra cada vez mais
multiplicando-se e crescendo
dentro do ser, que já a tem por dentro.

sábado, 7 de fevereiro de 2009

A chave do mundo.
















No princípio, o que lá havia, não possuia nome, cor, identidade, ou qualquer tipo de designação. Nem se sabia que era o princípio, só podemos dizer isso agora. A maneira pela qual o universo se formou, é diferente das já conhecidas, como por exemplo a mega explosão ocorrida há bilhões, trilhões, sei la quantos "ões" de anos, séculos ou até milênios atrás.
Em algum lugar, que não aqui, ou perto daqui, e em algum tempo que não próximo ou igual à esse, haviam seres altamente semelhante à nós, a aparência, os defeitos, as vontades e as qualidades. Entretanto, eram superiores, pois estavam evoluídos de alguma forma que não era vista diretamente pelos olhos, mas que vinha de dentro deles, um ar de tranquilidade e soberania, uma postura real e deslumbrante, que acabava por transbordar os limites do corpo, e tornar-se visível aos olhos, de forma a impressionar quem os visse.
Árvores enormes, grandes e vastos campos, vales profundos, encostas, animais exóticos, metade boi, metade coelho, aves misturadas com mamíferos, répteis com marsupiais, e muitos outros. Montanhas localizadas a vários e vários quilômetros de distância do centro desse verde, funcionavam como paredes, como portões gigantescos, impedindo a entrada de quem não fosse querido. Haviam os povos, e eram divididos em reinos, de maneira que dado povo de dado reino, possuia poderes respectivos de seu reino. O povo do céu, morava nas montanhas flutuantes, que pairavam no ar, sem tocar qualquer parte sua no chão, esses cuidavam para que o vento sempre soprasse por ali. Tinha o povo das águas, do reino das águas, os quais tinham domínio sobre o mar, rios, lagoas, e até copos com água. O povo da terra, que cuidava de sua fertilidade, e outros fatores. O povo do fogo, era responsável pelo conforto do seu e dos demais reinos, pois quando vinha o inverno(proporcionado pelo povo do céu para manter o equilíbrio) só o fogo tinha o poder de lhes proporcionar noites mais confortáveis.
E acima de todos e de tudo e já mencionados anteriormente, havia o conselho supremo, que governava aquele mundo, gerenciando e comandando os demais povos e seus respectivos reinos. O conselho supremo era formado por uma família de um pai, uma mãe e dois filhos homens. O pai, que se chamava Jhiklina, era fruto da canção das águas, e do cair da noite, que quando tocava o dia ainda fervendo na grama dos vales, fazia um estrondo, como trovões no céu. A mãe, Hidrinyel, era fruto do desejo de seu marido, com a luminescência esperançosa da Lua, que sempre brilhava no céu. E por fim, seus dois filhos, Lhandarth e Daliambert eram frutos do desejo de seus pais, que em um dia sem noite alguma, imploraram aos acasos, que se lhe dessem a noite, teriam dois filhos, e um deles, faria algo de grandioso.
Dessa forma, o acaso das areias, responsável pela mudança constante das coisas materias, disse a Jhiklina e Hidrinyel que só teriam os filhos, se unificassem os povos, em um só. E que de alguma forma, todos pudessem viver em um lugar melhor. Jhiklina exclamou que isso não poderia ser feito assim, com essa urgência, pois não havia lugar algum, além daquele, onde todos os reinos viviam. Então, Jhiklina teve que desenterrar das areias dos vales, a semente da última árvore nascida nos últimos dias. E essa semente daria a quem a comesse, a imortalidade, e a imaginação sem limites, proporcionada pelo conhecimento supremo.
Jhiklina achou a semente, depois de um grande tempo procurando, e levou-a para casa. Lá, ele a enterrou em um vaso sem plantas. Algum tempo depois, Hidrinyel deu a notícia de que estava grávida. E assim, nasceram os irmãos Lhandarth e Daliambert.
Lhandarth era ambicioso e egoísta, essas eram as características que se destacavam nele. Enquanto Daliambert era tranquilo e bondoso, muito pacífico. Ambos sabiam da existência da tal semente, mas enquanto Daliambert vivia sua vida normalmente, Lhandarth almejava dia após dia a semente. Os anos se passaram, e Jhiklina estava ficando velho, juntamente com sua esposa. E nada da unificação dos povos, nada de grandioso feito por nenhum de seus filhos.
Certo dia, já quase falecendo, Jhiklina convocou seus filhos para uma conversa, e decidiu que deveriam criar - através de seus sentimentos - um lugar, no qual todos poderiam existir em paz e tranquilidade, vivendo como um único povo. Era algo que devesse ser feito espontâneamente, sem muitos planos e cogitações. Assim, Lhandarth, com sua inveja, egoísmo e ambição, disse que só faria isso, se lhe fosse dada a semente, como retribuição. Enquanto Daliambert, nada pediu em troca. Daliambert sentou-se em sua almofada, e fugiu do seu mundo, levando sua mente aos mais distantes horizontes, e lá, ele detonou suas imaginações, tornando todas elas, realidade. Daliambert brilhou para sempre, e se desfez nos ares, atraindo tudo aquilo que se refletia nele, e depois expulsando violentamente, tudo de volta, junto consigo mesmo. E após alguns segundos, apareceu novamente, mais radiante que o dia, maior por dentro que por fora. Daliambert criara a ilusão. A ilusão de que tinha feito algo para si mesmo, enquanto a sua volta, era possível notar, que as montanhas que cercavam o lugar, estavam dispostas de maneira diferente, de forma que proporcionassem uma saída daquele lugar. E assim, e depois disso, pronunciou: - Só a ausência de portas pode unificar dois lugares. Enquanto houver uma porta entre a sala e um quarto, ambos sempre serão sala e quarto. Enquanto não se tem porta alguma, só os distingue o que cada um tem por dentro. Como por exemplo, a cama que fica no quarto e o sofá, na sala. Para unificar os povos, eu lhes mostrei que não há porta. Agora que sigam em frente, e se distinguam só pelo que tem por dentro.
Landarth, com inveja do feito de seu irmão, sentou-se em sua cadeira de ferro, e almejou a destruição desse feito. E assim foi concluído seu desejo. Lhandarth não só recolocou as montanhas no lugar, como depois as esmagou, com tudo e todos, sacrificando todos os povos e a si mesmo, junto com seus familiares. Lhandarth criara desse egoísmo e sacrifício, o universo. Do caos proveniente da destruição, vieram as estrelas, as galáxias, tudo o que brilha e o que não brilha, nesse universo. E dessa forma, nenhum deles obteve a semente do conhecimento e imortalidade.
E o acaso das areias continua a destruir aquilo que o tempo não leva consigo, e tudo o que construímos por fora de nossas almas, é levado por ele, para além daqui. Devemos então, ter como objetivo, não a mudança proporcionada pela ambição, como o acúmulo de riquezas, ou até mesmo conhecimento. Não dessa forma. Devemos ter como objetivo, a mudança interna, para que essas sejam jogadas no espaço em que vivemos, e isso, sem dúvida alguma, não há acaso que leve embora. Então, nasceu em Daliambert esse sentimento de evolução interna, amor aos demais e pacificação, e morreu nele mesmo, esses sentimentos. Pois é raro quem siga isso. Até hoje morrem pessoas que procuravam algo sem saber o que era. Muitos buscam desesperadamente o bem em outras coisas, em outras pessoas, mas esquecem de abrir as portas da alma, da mente e do coração. Porque da mesma forma que os comodos de uma casa, sempre serão apenas eles, enquanto estiverem limitados das demais coisas que os cercam, devemos viver no mundo, como se fossemos ele, e o mundo deve viver dentro de nós.
Assim criou-se o universo. Assim criou-se a essência. E até hoje, todos procuram pela semente que se perdeu. Mas esquecem de abrir as portas, para que ela possa entrar.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Palavras de uma mente insana















Era uma vez um garoto, um lugar, e o mundo. Antes, ele pensava que Deus realmente tinha barba grande e branca, um cajado na mão e um trono no céu. E lá de cima, ele apontava os erros dos que residem aqui em baixo. Mas o menino se enganara. O tempo passou, e sua noção do que seria Deus, mudou por completo. Descobriu que Deus não está em cima, em baixo, nem só em um lugar. É muito mais difícil achar algo que esteja perto de você, pois justo ali, é aonde não se pensa em procurar. Com muita dificuldade, o menino teve que aceitar que Deus estava dentro dele e o que seus olhos viam, também era Deus. O garoto ficou assustado, e num surto, preferiu ignorar a existência de Deus. Segundo ele, Deus existe dentro de cada um de nós, porém, o Deus que está dentro dele, é ignorado por completo, e quando surge alguma possibilidade de uma crença maior, um conflito interior é gerado, e com golpes e feridas, esmaga-se o Deus que ali dentro, deveria existir são e salvo.
Esse menino talvez fosse tolo. Com certeza era. Mas para ele, fazia tanto sentido pensar de tal maneira. Para ele, a fé era inútil. Pois tratava-se de uma ilusão. Um apego a algo superior, mas que não mudaria os resultados dos problemas das pessoas. Porque como descrito, esses problemas são das pessoas. Estupidamente falando, era como se esperasse que a soma de "dois com dois" desse um resultado diferente de quatro. A fé não servia para nada. E da mesma forma, Deus também não. Deus apenas existia, e a única coisa que causava indagações era isso. A existência de algo que está dentro dele, mas não fala com ele. Que está a volta dele, mas não fala com ele. E ainda hoje, ele ignora Deus. Mas Deus, continuamente tenta lhe mostrar que o que ele procura alucinadamente ao seu redor, está dentro dele, e mais vivo do que nunca.
Acho que esse garoto precisava de companhia, não de amigos, não de parentes, não da família. Pois essas companhias, ele já possuia, e era agradecido por isso. Mas tinha que existir algo que lhe fizesse ver que Deus vive. Era necessário tocá-lo com um sentimento doloroso e pacífico. Era necessário tocá-lo com o amor. Esse sentimento é sem definição, pois é a fusão do que há de bom, com o que há de não tão bom. Na verdade, nem sei porque todos necessitam tanto dele.Acho que é porque ele é Deus.
Então, quando menos esperava, surgiu na vida desse menino, uma pessoa. Pessoa essa, que acabou por se tornar parte da vida dele. E de uma maneira que essas palavras tornam-se inúteis pra dizer, existia um medo terrível de que esse pedaço de sua vida, tivesse que deixa-lo. Era necessário ter aquele amor todos os dias, ao seu lado. A saudade que o corroia na ausência dela, era de um tamanho maior que o próprio mundo, mas a vergonha de dizer isso, era quase do mesmo tamanho. Tinha um tal de espaço, espaço esse que cada um deles deveria ter o seu. Mas o menino não via sentido naquilo, e acabava amando mais ela, do que seu próprio espaço. Lamentável era ter que existir esse espaço, quando o que ele mais desejava era a junção deles, e um só espaço pertenceria a ambos. O espaço dele, seria o dela. Esse espaço não era um espaço material, era um espaço meio abstrato, espaço onde cada um teria sua parte da vida, reservada somente para si. Mas parecia que o menino já teve muito seu espaço, já o teve por muitos anos, já o teve por muito tempo. Para ele, estava na hora de diminuí-lo. Mas que dó dava, quando esses espaços os separava. Mesmo que por algumas horas, mesmo que por um ou dois dias. O menino jurava que não fazia força para sentir o que sentia, e quanto mais tentava fugir, algo o puxava, mais forte que antes. Que medo lhe dava, ele arregalava os olhos, e via-se nela por um instante. Espera, "via-se nela por um instante." E o instante perdurou, virou constante, se congelou. Apavorado, ele ignorava por dentro, esse sentimento que lhe deixava amedrontado. Mas que medo, que medo que isso se vá, não a aflição, mas a paz, o gosto doce, o açúcar que se esconde por trás dessa insegurança, desse medo, dessa aflição.
Lamentava-se. O menino se lamentava, pois essa confusão interna acabava por ser ridícula, acabava por ser o ridículo propriamente dito. Ao menos era isso que o menino achava. Dava pra ver nos olhos dele todas essas palavras. Era possível concordar, que ele realmente se achava um ridículo por ter lá por dentro esses sentimentos. Que ridículo! Exclamava ele, para ele mesmo.
Mas mesmo assim, mesmo sentindo essas coisas não tão boas, ele notava uma paz, uma respiração calma, um olhar vidrante e fixo, tudo isso, apontando para o centro de suas emoções e se espalhando igualmente por todo o corpo. E de repente Deus vive para ele. Deus realmente existia! E quando o perguntavam por que Deus existia, ele respondia: "porque eu a amo." E esse Deus nunca vai embora, nunca vai esgotar. Pois antes que a saudade me mate, eu vou lembrar que tem isso que me faz viver, me faz amar.
Esse texto é insano e talvez sem sentido. Mas o que o garoto sentia, jamais foi engano.Veio e ficou. Não saiu dele, não foi embora. Graças a Deus não foi embora. Que isso permaneça para todo o sempre e que jamais, jamais acabe - dizia, e sentia, o garoto. E insanamente ele ama, e a saudade é tão quanto insana, quando de longe se lembra das horas inundadas de paz, de tranqUilidade.
Dessa forma, o garoto percebeu, que entre as dúvidas que apareciam e a princípio pareciam monstruosas, entre essas dúvidas e entre seus medos, ele deveria jogar aos ares todo aquele amor, e respira-lo novamente, pois só quem vive o amor, sabe o que sente.
Que sequem os riachos, derretam as paredes, caiam os telhados, levantem os que tem sede. Que deitem os cansados, sentem os alucinados, percebam os que dormem, que acordem os desacreditados. Nada disso é o fim, pois as paredes sempre serão reconstruidas, os riachos preenchidos pelo mar, os cansados recuperarão as forças, os alucinados vão se curar, e, não só por isso, o amor que ele sentia, nunca, nunca vai acabar. Que coisa! Que maluquice isso! Mas é verdade! Que palavras sem noção, que coisa de tonto! Chega! Já que não se pode medir esse amor, e cansado de isso tentar, esse menino agora se despede e vai se deitar.