Em algum tempo, em algum lugar, tinha uma vila. Vila essa, diferente das demais, pois era
Em dias de Sol, alvorecia por trás dos telhados a mais esperada manhã, onde pássaros e insetos zuniam no ar fresco que possuía resquícios da noite que se foi. De leve a luz beijava as janelas, e beijava também quem estivesse por trás das janelas. Levantávamos beijados pela manhã. Aos poucos, as casas acordavam. E em poucos minutos, havia vizinhos chamando uns aos outros, e esse chamar acordava também os demais que dormiam alucinados. O café era feito com calma, onde a água fervente era derramada sobre o coador emitindo um som agradável, típico de uma manhã como aquelas. Realmente, era o começo de um bom dia.
Contudo, nem sempre eram beijadas as janelas, nem sempre zuniam os insetos. Em dias de chuva, a água se deitava pelo chão impedindo que qualquer milímetro pudesse ser ocupado por outra coisa. Em dias como esse, os vizinhos mal se chamavam, as pessoas ficavam trancafiadas
em suas casas, conversando pela grade da janela, e torcendo para a chuva passar. Mas esse era só o começo do temporal. Quanto mais se falava no término daquele dilúvio, mais água caia. A vila era uma massa cinza, o concreto do chão se misturava com a cor das nuvens nubladas, e as árvores verdes eram ofuscadas e pareciam também, que eram cinzas. Tudo era cinza. De verde, só sobrava a esperança.
Lembro-me com lucidez, que ao entardecer, junto com o cantar da cigarra, as luzes das portas eram acesas, e por uma inocência e uma alegria boba, gritavam as crianças: viva a luz! E depois, voltavam a brincar na tarde abafada. Brincava-se sem limites, sem noções. Não se sabia se era tarde ou noite, só se sabia que era hora de se manter acordado. Em baixo dos pés, mantinha-se o chão, ainda morno do dia, e com poças de água quase totalmente evaporadas. Pra cima, tinha um tipo de pano escuro, salpicado por pontos que eu sabia o que eram, entretanto, ainda me questionava. Ah, sim, estou falando do céu. Mas não é qualquer céu, é o céu da vila. O céu que se olhava toda noite, era nosso céu. As vezes acho que era o céu que tinha a vila em baixo.
Na vila, conheci minhas raízes. E na convivência com determinadas pessoas, hoje sou parte delas, e elas, parte de mim. Não se perde o que foi molhado pela chuva e secado pelo Sol. Quanta chuva nos molhou, quanto Sol nos secou. Não se fala o que foi dito pelo tempo, pelas horas que ninguém falava nada. Só se olhava e dizia: que tédio. Mas hoje penso: que tédio bom era aquele. Eu estava do lado daqueles que se refletiam em mim. E sem saber, fui brindado pelos ares. O que me deu o direito de ter isso que guardo distribuído na essência? Que Deus é esse que não me diz nada? Só se cala. Deus está no silêncio que faço para ouvi-lo. E quando faço silêncio, só lembro do que vivi e do que vivo. Então, não pergunto mais, ao invés disso, me calo, e deixo que algo me diga o que fazer. E com uma intensa emoção, vejo que o silêncio que as vezes faço, me mostra o que quero ser, e onde quero estar. E eu quero meus amigos, dentro do meu lar. Quero meus amigos onde eu possa estar. Nem toda resposta é certa, mas o silêncio, com certeza, responde qualquer pergunta.