terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Nossa vila







Em algum tempo, em algum lugar, tinha uma vila. Vila essa, diferente das demais, pois era
facilmente reconhecida pela fila de árvores que se estendia do seu princípio ao seu fim, caracterizando-a de forma a ser tranquila, serena e pacífica. Dezesseis casas se distribuiam lado a lado, havendo duas filas delas, de forma que oito ficavam de um lado, e outras oito, do lado oposto. As casas eram postas por cima de uma calçada estreita, de forma que haviam duas calçadas, uma em cada lateral, uma para cada fileira de casas. E entre as casas, havia uma depressão no nível do chão, um caimento de forma côncava, com seu topo reto, o que favorecia a localização das árvores.
Em dias de Sol, alvorecia por trás dos telhados a mais esperada manhã, onde pássaros e insetos zuniam no ar fresco que possuía resquícios da noite que se foi. De leve a luz beijava as janelas, e beijava também quem estivesse por trás das janelas. Levantávamos beijados pela manhã. Aos poucos, as casas acordavam. E em poucos minutos, havia vizinhos chamando uns aos outros, e esse chamar acordava também os demais que dormiam alucinados. O café era feito com calma, onde a água fervente era derramada sobre o coador emitindo um som agradável, típico de uma manhã como aquelas. Realmente, era o começo de um bom dia.
Contudo, nem sempre eram beijadas as janelas, nem sempre zuniam os insetos. Em dias de chuva, a água se deitava pelo chão impedindo que qualquer milímetro pudesse ser ocupado por outra coisa. Em dias como esse, os vizinhos mal se chamavam, as pessoas ficavam trancafiadas
em suas casas, conversando pela grade da janela, e torcendo para a chuva passar. Mas esse era só o começo do temporal. Quanto mais se falava no término daquele dilúvio, mais água caia. A vila era uma massa cinza, o concreto do chão se misturava com a cor das nuvens nubladas, e as árvores verdes eram ofuscadas e pareciam também, que eram cinzas. Tudo era cinza. De verde, só sobrava a esperança.
Lembro-me com lucidez, que ao entardecer, junto com o cantar da cigarra, as luzes das portas eram acesas, e por uma inocência e uma alegria boba, gritavam as crianças: viva a luz! E depois, voltavam a brincar na tarde abafada. Brincava-se sem limites, sem noções. Não se sabia se era tarde ou noite, só se sabia que era hora de se manter acordado. Em baixo dos pés, mantinha-se o chão, ainda morno do dia, e com poças de água quase totalmente evaporadas. Pra cima, tinha um tipo de pano escuro, salpicado por pontos que eu sabia o que eram, entretanto, ainda me questionava. Ah, sim, estou falando do céu. Mas não é qualquer céu, é o céu da vila. O céu que se olhava toda noite, era nosso céu. As vezes acho que era o céu que tinha a vila em baixo.
Na vila, conheci minhas raízes. E na convivência com determinadas pessoas, hoje sou parte delas, e elas, parte de mim. Não se perde o que foi molhado pela chuva e secado pelo Sol. Quanta chuva nos molhou, quanto Sol nos secou. Não se fala o que foi dito pelo tempo, pelas horas que ninguém falava nada. Só se olhava e dizia: que tédio. Mas hoje penso: que tédio bom era aquele. Eu estava do lado daqueles que se refletiam em mim. E sem saber, fui brindado pelos ares. O que me deu o direito de ter isso que guardo distribuído na essência? Que Deus é esse que não me diz nada? Só se cala. Deus está no silêncio que faço para ouvi-lo. E quando faço silêncio, só lembro do que vivi e do que vivo. Então, não pergunto mais, ao invés disso, me calo, e deixo que algo me diga o que fazer. E com uma intensa emoção, vejo que o silêncio que as vezes faço, me mostra o que quero ser, e onde quero estar. E eu quero meus amigos, dentro do meu lar. Quero meus amigos onde eu possa estar. Nem toda resposta é certa, mas o silêncio, com certeza, responde qualquer pergunta.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Meu baú da vida




















Certo dia, depois de observar por algumas horas a paisagem que minha janela focava, resolvi sair. Apaguei as luzes, tranquei as portas, vesti um casaco, e fui para dentro da noite(que acabara de começar). As pessoas caminhavam no meio da rua, como se não soubessem da existência dos carros. E os carros por sorte, estavam raros essa noite. A rua e as calçadas eram para as pessoas, para quem quisesse andar por elas.
Caminhei até o ponto de ônibus mais próximo, e no trajeto não encontrei nenhum conhecido, o lado bom disso, é que não perdi tempo. E sem pressa, cheguei no local. Só não sabia qual ônibus pegar. E se eu pegasse o primeiro que viesse, o que aconteceria? E veio uns vinte minutos depois, um ônibus que não possuia o nome do local de onde vinha e nem para onde ia. Pensei então: é esse mesmo. Fiz sinal, a porta se abriu como se me desse boas vindas. E com um boa noite sério e educado fui recebido pelo motorista.
O ônibus parecia ter bastante tempo desde a sua fabricação, entretanto, estava em bom estado. Me acomodei em uma cadeira nem muito atrás e nem muito na frente do ônibus. E então, o veículo partiu(para mim, sem destino algum). Pelos buracos das ruas(ruas que eu jamais havia visto) o ônibus se acomodava da forma que seus amortecedores lhe ofereciam e mesmo assim, eu era agitado como se estivesse dentro de uma centrífuga. E dessa forma, em uma curva brusca naquele caminho desconhecido, algo fez um baque no fundo do ônibus. Baque esse que me chamou a atenção, e me desconcentrou dos pensamentos. Repentinamente, então, olhei para trás, e vi jogado no chão uma espécie de baú, aparentemente tão velho quanto o ônibus que o carregava. Era feito de madeira e tinha uma tranca, isso era tudo o que eu podia observar de onde eu estava. Com certa dificuldade, fui caminhando em direção ao fundo do ônibus, para aonde se encontrava o baú.
Vendo assim, pela primeira vez, aparentava ser um baú comum, onde foi um dia guardado objetos e pertences de alguém. Contudo, era necessário abri-lo para me certificar de que estava vazio. Mas era impossível executar tal tarefa, já que eu estava sem a chave apropriada para abrir a tranca. Como então, abrir um baú desconhecido, velho e estranho, jogado no fundo de um ônibus? Durante algum tempo quebrei a cabeça tentando descobrir a solução para esse problema. Mas não foi muito difícil. Não sei porque, já que o ônibus era tão velho quanto o baú, imaginei por acaso, que a chave do ônibus pudesse ser a chave que abre o baú. Dito e feito, depois de uma conversa com o motorista, consegui ter a chave tempo o suficiente para que eu abrisse o baú. E nesse momento, o veículo permaneceu parado em uma ponte de madeira que igual a situação, eu nunca havia visto.
Depois de destrancar o baú, devolvi a chave ao motorista, para então finalmente levantar sua tampa. Com um medo, e uma curiosidade, levantei-a vagarosamente. Lá dentro não havia nada além do próprio baú. Mas no fundo, talhada na própria madeira(por sinal, mal talhada) havia uma frase, legível o suficiente apenas para ser interpretada, como se quem escreveu não se importasse com a forma. Só era necessário transmitir a mensagem. E para minha surpresa, dentro do baú estava talhado: 894 destino: aqui jaz sua escolha.
Criou-se então uma alegria aflita dentro de mim. Pois de acordo com o que estava escrito, eu decido para onde vou, independente de onde vim. E como dois pedaços de vidro perdidos na noite, meus olhos brilharam como tudo até agora, ou seja, como jamais havia visto. Não precisava sair a noite, pegar ônibus algum. Não precisava de nada disso para que eu entendesse que o que há em mim é grande o suficiente para me fazer pesar e não sair do lugar. Aqui é meu lugar, pois eu escolho isso.
Eu escolho essa saudade, esse aperto. Porque ninguém precisou um dia me dizer, que a saudade maior que se pode suportar, é que mais se deve viver. Se hoje não estou, amanhã estarei. Mesmo que eu intercale os dias, meu lugar eu escolherei. Por isso deixo talhado, que minha escolha jazida é estar ao seu lado. Deixo gravado, escrito, descrito e mal escrito. A forma não importa, deixo escrito assim, com essa letra torta.
E assim, posso ver, que o melhor de tudo, é poder enxergar que mais vale aquilo que na vida fica, do que aquilo que teve que passar(ser esquecido). Quando falo tudo isso, não minto. Pois hoje sou maior que todos, pois sou do tamanho do que sinto.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Mundo de louco, meu mundo


















Havia eu, uns ladrilhos e um telhado. Havia eu, só eu, sem frente, costas ou lado. Havia eu
ali, por ali por aqui, por lá, havia eu em qualquer lugar. Dentro e fora das multidões, havia
eu com muitas ou sem razões, no fundo sempre, sempre houve eu. No fundo, nunca houve um mundo meu, destinado ao meu nome, um mundo meu. Houve sim, o que eu fazia ser meu, criando limites, conjecturas, ditando regras para mim mesmo, esse era meu mundo. Mas sempre quis quebrar as regras que ditei, sempre quis desligar-me do tal mundo que criei. Como um louco, me emaranho nos pensamentos duvidosos que crio todas as vezes em que quebro minhas regras, malditas regras. Como um louco, vago por entre minhas lacunas na mente, caminhos dopados de insanidade e consciência, lotados de uma insegurança aflita que me põe de frente com a vida. E entre as insanidades, a pior de todas é a desigualdade, seja em que for, o desigual é tão desagradável quanto o próprio nome.
Mas para a infelicidade da minha consciência, percebi que jamais serei são, jamais serei lúcido ao ponto de entender o mundo. Deixarei que meus olhos tontos e desesperados encontrem por entre meu andar algo igualmente desesperado, querendo também, me encontrar. Das loucuras
mais loucas minha mente é construída, e quando me falta parte do coração, loucuras engatam nos
buracos e brechas retomando - mesmo que de forma torta - parte dos sentidos que me faltavam, e assim o tempo levou consigo todos os pedaços. Hoje, então, meu coração é louco, louco de inseguro, louco de imaturo, louco de tudo. A loucura já percorre meu corpo de tal forma, que não há mais jeito que possa reverter a situação, estou louco e pronto. Não há duas vozes, pois não existe eu e a loucura. A minha voz é a voz da loucura, que já nem é minha, é de quem quiser ser louco.
Inesperadamente, depois de ser completamente substituido pela loucura mais consciente possível, fui alvejado por um estado de desequilíbrio harmônico, que por ser desequilíbrio, não deixa de ser louco, e mesmo assim, essa loucura ainda é pouco.
Havia eu, sempre houve. Mas então, a favor da minha loucura, a importância surge nos meus sentidos, e eu já nem sei o que é sentido, pois vejo o que sinto, degusto o que tenho em mão, e numa salada dessas, perco a noção do que de fato é verdadeiro. Como pode uma pessoa, ser para alguém, um mundo inteiro. Esse sim, meu mundo, presente de louco, vidração, aflição, coisa de louco. Meu mundo, lugar que não vou, lugar que quero ser, lugar que não chego, lugar que sinto, percebo. Sou louco. Me deixe ser louco, com esse meu mundo de louco. Quero ser esse louco, agora preso, não mais solto, preso nesse meu mundo, meu mundo de louco.