terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Meu baú da vida




















Certo dia, depois de observar por algumas horas a paisagem que minha janela focava, resolvi sair. Apaguei as luzes, tranquei as portas, vesti um casaco, e fui para dentro da noite(que acabara de começar). As pessoas caminhavam no meio da rua, como se não soubessem da existência dos carros. E os carros por sorte, estavam raros essa noite. A rua e as calçadas eram para as pessoas, para quem quisesse andar por elas.
Caminhei até o ponto de ônibus mais próximo, e no trajeto não encontrei nenhum conhecido, o lado bom disso, é que não perdi tempo. E sem pressa, cheguei no local. Só não sabia qual ônibus pegar. E se eu pegasse o primeiro que viesse, o que aconteceria? E veio uns vinte minutos depois, um ônibus que não possuia o nome do local de onde vinha e nem para onde ia. Pensei então: é esse mesmo. Fiz sinal, a porta se abriu como se me desse boas vindas. E com um boa noite sério e educado fui recebido pelo motorista.
O ônibus parecia ter bastante tempo desde a sua fabricação, entretanto, estava em bom estado. Me acomodei em uma cadeira nem muito atrás e nem muito na frente do ônibus. E então, o veículo partiu(para mim, sem destino algum). Pelos buracos das ruas(ruas que eu jamais havia visto) o ônibus se acomodava da forma que seus amortecedores lhe ofereciam e mesmo assim, eu era agitado como se estivesse dentro de uma centrífuga. E dessa forma, em uma curva brusca naquele caminho desconhecido, algo fez um baque no fundo do ônibus. Baque esse que me chamou a atenção, e me desconcentrou dos pensamentos. Repentinamente, então, olhei para trás, e vi jogado no chão uma espécie de baú, aparentemente tão velho quanto o ônibus que o carregava. Era feito de madeira e tinha uma tranca, isso era tudo o que eu podia observar de onde eu estava. Com certa dificuldade, fui caminhando em direção ao fundo do ônibus, para aonde se encontrava o baú.
Vendo assim, pela primeira vez, aparentava ser um baú comum, onde foi um dia guardado objetos e pertences de alguém. Contudo, era necessário abri-lo para me certificar de que estava vazio. Mas era impossível executar tal tarefa, já que eu estava sem a chave apropriada para abrir a tranca. Como então, abrir um baú desconhecido, velho e estranho, jogado no fundo de um ônibus? Durante algum tempo quebrei a cabeça tentando descobrir a solução para esse problema. Mas não foi muito difícil. Não sei porque, já que o ônibus era tão velho quanto o baú, imaginei por acaso, que a chave do ônibus pudesse ser a chave que abre o baú. Dito e feito, depois de uma conversa com o motorista, consegui ter a chave tempo o suficiente para que eu abrisse o baú. E nesse momento, o veículo permaneceu parado em uma ponte de madeira que igual a situação, eu nunca havia visto.
Depois de destrancar o baú, devolvi a chave ao motorista, para então finalmente levantar sua tampa. Com um medo, e uma curiosidade, levantei-a vagarosamente. Lá dentro não havia nada além do próprio baú. Mas no fundo, talhada na própria madeira(por sinal, mal talhada) havia uma frase, legível o suficiente apenas para ser interpretada, como se quem escreveu não se importasse com a forma. Só era necessário transmitir a mensagem. E para minha surpresa, dentro do baú estava talhado: 894 destino: aqui jaz sua escolha.
Criou-se então uma alegria aflita dentro de mim. Pois de acordo com o que estava escrito, eu decido para onde vou, independente de onde vim. E como dois pedaços de vidro perdidos na noite, meus olhos brilharam como tudo até agora, ou seja, como jamais havia visto. Não precisava sair a noite, pegar ônibus algum. Não precisava de nada disso para que eu entendesse que o que há em mim é grande o suficiente para me fazer pesar e não sair do lugar. Aqui é meu lugar, pois eu escolho isso.
Eu escolho essa saudade, esse aperto. Porque ninguém precisou um dia me dizer, que a saudade maior que se pode suportar, é que mais se deve viver. Se hoje não estou, amanhã estarei. Mesmo que eu intercale os dias, meu lugar eu escolherei. Por isso deixo talhado, que minha escolha jazida é estar ao seu lado. Deixo gravado, escrito, descrito e mal escrito. A forma não importa, deixo escrito assim, com essa letra torta.
E assim, posso ver, que o melhor de tudo, é poder enxergar que mais vale aquilo que na vida fica, do que aquilo que teve que passar(ser esquecido). Quando falo tudo isso, não minto. Pois hoje sou maior que todos, pois sou do tamanho do que sinto.

2 comentários:

Octavio Peral disse...

cara, que manero!
sim, as pessoas podem não perceber, mas somos do tamanho daquilo que somos capazes de sentir! Muito bem observado.
Texto muito foda. Parabéns.
abração

Karoline Freitas disse...

Às vezes não consigo pegar a chave com o motorista.. Meu baú da vida fica trancadinhoo e eu nem sei qual é o meu tamanho, porque não sei o que sinto. Bom saber que esse texto está aqui, e representa muito do seu mundo. Gosto desses textos mais intimistas, que viajam pela mente dos que o fazem, e deixam o gostinho de mergulhar na própria mente que usamos.... ótimo o texto.. cada dia vc está melhor!