quarta-feira, 16 de junho de 2010

Fora da bússola.

Carioca


















Pro norte a vida é mais longa
dizia o velho compadre
em alto mar bebia vinho
e temperava tomates com vinagre
"se o barco vai, eu fico" - dizia o velho compadre

Um dia a caravela enguiçou
e foi só restaurar o Leme
e longe da praia de Botafogo
a embarcação parou

Compadre era carioca
carioca sem samba,
sem pelada
compadre era carioca
porque era do litoral
meu compadre
feito de areia, água e sal

A vida é longa pro norte
não é questão de muita
ou pouca sorte
dizia compadre - sempre pro norte

Compadre dizia enquanto navegava
agora o dito de compadre
ecoa por aí
sem a sua palavra

No norte a âncora pesa mais
agarre-se no norte
assim que sair do cais

E foi num sábado à tarde
sem mariscos, tomates
sem vinagre
a embarcação mergulhou
e compadre
nem duas vezes pensou

Logo havia se enganado,
da boca pra fora
e no pé de meu ouvido
disse que a vida só é mais longa
se for agora.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Os passos de dó.

Piano dó

















Um mamão maduro
para duas cigarras distraidas
e três auroras verdes
para quatro céus distintos

Vinte postes altos
para noventa milhas de fios
um pai com muitos irmãos
e seu filho,
com inúmeros tios

Vários pratos rosas
bordados com linhas de ouro
algumas tigelas grandonas
sete talheres para aspargos
salmão e azeitonas

Uma tecla faltando
dó, dó, dó
foi a parte que encontraram jogada
separada do piano

Cinquenta e cinco passos para a esquerda
noventa e dois para a direita
uns foram com a soberba
e falharam, os avós
agora pisam, aqueles passos
no chão de todos nós.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

O projetor de sonhos.

Encostado na Poltrona













Troquei tudo.
Cambiei minhas cortinas
alternei minhas bermudas
mudei minhas camisas

Ladrilhei o teto
embuti o armário
fiz sete rádios de galena
pintei as lâmpadas
e agora os desenhos se lançam na parede

Investi na bolsa
comprei uma fábrica de asfalto, privatizada
asfaltei da minha casa
até a alvorada
e quando o Sol nasceu
mal pisquei os olhos
e o piche derreteu

Deprimido,
nomeei outro dono
e agora meu asfalto
em algum parque de Nova Iorque
apara as folhas de outono

Entrei com uma ação na justiça
e o governo me nomeou prefeito
e na ponta do lápis
planejei meu plano perfeito
aboli as vias aéreas e terrestres
e por nove dias implantei uma lei:
sejamos todos campestres
e enxerguemos quem nos conduz
seja onde for
vá de avestruz

Não deu muito certo
e o vice assumiu
então vendi meus vinhos
e comprei meu próprio barril

Acordei de uma vez
com sombras no quarto
sonhei o desenhado
daquilo que a lâmpada, na parede
havia lançado.

domingo, 6 de junho de 2010

Minha cor tá por aí.

















Abro o livro das cores, aflito
e algumas páginas
me fazem perceber
a cor que não somos
é a que nos faz ser

Arranjo um arco-íris de bolso
e sempre posso consultar
embora eu não consiga entender
como as cores que não sou
são as cores que me fazem ser;
cores para me explicar

Chamaram o exército
os bombeiros
o ministro, o presidente do senado
acordaram os sem teto
soltaram os condenados
gritam lá de trás:
enxerguem agora o céu azul-esbranquiçado!

Continuei minha linha
tijolos de branco, amarelo
e uma joaninha
que de cinza e preto
capengava de uma perninha
e o Sol atrás, quase branquelo
esbarrava na escrivaninha

Fui mais pra lá
mais pra cá
rodei, tropecei e cai
de cara com um grande amarelo esverdeado
e logo me colori
a cor de verdade, essa sim
ta borrada por aí

E vai ser assim
as cores de outro mundo
serão as cores que há em mim.