Ao estudar uma porta, a chave feita para abri-la torna-se dispensável quando se tem um profundo conhecimento sobre a fechadura.
domingo, 24 de julho de 2011
A primeira lucidez: quando baila o grão, desperta o louco.
Em um deserto moravam dois sultões: Jamir e Jeishou, cada um dono de uma das duas únicas fontes de água potável de todo o local desértico. Jamir morava no começo do deserto, e Jeishou, já no fim, quase na floresta. Boatos corriam, dizendo que a água da fonte no fim do deserto é a melhor água dentre as duas, e que a primeira fonte, logo no começo, possui boa água, mas que vale caminhar mais alguns dias e noites para mergulhar no poço das águas mais distantes. Angustiado e revolto em suposições, Jamir, dono da primeira fonte, dirigiu-se até o palácio do segundo sultão, colheu com uma taça por ele mesmo trazida, a água jazida no poço, e depois de um gole diminuto, disse em voz alta:
- É a distância da fonte que qualifica a tua água! Seu produto é primordial para a vida, e atua com ótima mira quando a sede torna-se angústia. Vendes tua água como o êxtase desse deserto, mas não passa de um alvejante! Coloca nossas fontes lado a lado e assiste evaporar seu produto!
Sem muito pestanejar, Jeishou retrucou:
- De fato é longa a travessia para quem vem do leste, rumo às casas nos baobás. Mas se retornam da floresta, esses nômades e peregrinos, a última fonte passa a ser a sua, não mais a minha. Então cuida pra tua fonte não secar, pois os sem caminho voltarão sedentos!
- Mas o que tanto buscam nessa floresta, óh, deuses?! - indagou Jamir.
Então Jeishou disse:
- Dizem que no meio da floresta, depois da queda d'água e da correnteza do rio, tem uma clareira, e nessa clareira tem uma adega, e nessa adega rezam servir o melhor vinho da região!
- Mas nem é lá essas coisas o vinho - argumentou Jamir, meneando a cabeça - ja provei do vinho que falas, e minha água parece ter mais gosto!
Jeishou prosseguiu:
- Não sei ao certo, mas dizem que a uva utilizada não é daqui, mas de muito longe,conservada de forma única e especial. Mas ainda assim, tenho minha própria opinião: já atravessam o deserto embriagados, os que buscam a adega! Depois de tanto mexer nas nuvens, dói-lhes a cabeça em demasia ter que pisar em terra firme. Por isso não cessa a travessia por esse deserto, Jamir! A embriaguez é a última escolha dos sem caminho! Por isso não se encerra o ir-e-vir desses lunáticos! Retornam e retornam, e só fazem retornar.
- Sabe o que me alivia, Jeishou? - indagou Jamir
- É que todo esse deserto escorre no vão de minha ampulheta!
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3 comentários:
desde quando você escreve crônicas? "sabe o que me consola?" é foi ótima sua crônica! haha
"o deserto escorre em minha ampulheta" - vejo isso como perda da noção do tempo junto com a perda da sobriedade, um bêbado inveterado nunca fica angustiado com o tempo.
acho que você deveria escrever mais crônicas.
consola não, alivia!
Os "sem caminho" procuram o tal caminho. E cada caminho é diferente daquilo que buscam. É uma busca-perdida. Não há o que se perder e nem há o que se buscar. Eu entendo que essa embriaguez de que você fala no texto não seja somente vinda do vinho e sim de qualquer mente que vive nas nuvens... E talvez, para esses, ou, de certa forma, para nós, o único caminho é a própria loucura que nos insulta. Eu, às vezes, tenho a certeza de que sou uma " sem-caminho". Mas que seja, a vida é a vida de qualquer jeito. Te amo, parabéns pelo texto, meu amor s2
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